segunda-feira, 26 de setembro de 2022

OS SANTOS, A MISÉRIA HUMANA E A HUMILDADE


Alguém disse que a alma humana é como uma catedral, cheia de luz e sombras.

Também é dito que na alma de cada um de nós há joio e trigo.

É uma consequência da natureza humana decaída. Temos muitas coisas magníficas e também muita coisa miserável.

Esta última parte deve ser lembrada para lembrar-nos que nada somos sem Deus que, continuamente, também pede que tenhamos uma alma grande.

É neste sentido que colocamos aqui o pensamento de três grandes santos. O objetivo de cada um é convidar-nos à humildade. 


 NA IDADE MÉDIA


"O que éramos? Nada.

O que somos? Vaso de escórias.

O que seremos? Pasto de vermes".


(São Bernardo de Claraval. 1090-1153).


NA IDADE MODERNA


"Somos naturalmente mais orgulhosos que o pavão, mais presos à terra que o sapo, mais repulsivos que bodes, mais vorazes que as serpentes, mais gulosos que os porcos, mais preguiçosos que tartarugas, mais fracos que capim e mais inconstantes que cata-ventos. Não temos no fundo de nós a não ser vazio e pecado (...) 

(São Luis Maria Grignon de Montfort - 1673- 1716.Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem Maria). 


EM NOSSA ÉPOCA


259. "A oração é a humildade do homem que reconhece a sua profunda miséria e a grandeza de Deus, a Quem se dirige e adora, de maneira que tudo espera d'Ele e nada de si mesmo.

A fé é a humildade da razão, que renuncia ao seu próprio critério, e se prostra ante os juízos e a autoridade da Igreja.

A obediência é a humildade da vontade, que se sujeita ao querer alheio, por Deus. 

A castidade é a humildade da carne, que se submete ao espírito. 

A humildade exterior é a humildade dos sentidos.

A penitência é a humildade de todas as paixões, imoladas ao Senhor.

A humildade é a verdade no caminho da luta ascética. 


260. Grande coisa é saber-se nada diante de Deus, porque é assim mesmo. 


261. "Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração...". Humildade de Jesus!... Que lição para ti, que és um pobre instrumento de barro!. Ele - sempre misericordioso - levantou-te, fazendo brilhar na tua vileza, gratuitamente elevada, os resplendores do sol da graça. E tu, quantas vezes disfarçaste a tua soberba sob a capa de dignidade, de justiça! E quantas ocasiões de aprender do Mestre desaproveitaste, por não teres sabido sobrenaturalizá-las! 

(São Josemaría Escrivá, 1902-1975). 



Fonte: https://pt.escrivaworks.org/book/sulco-capitulo-8.htm













QUEM PERDOA SE ASSEMELHA A DEUS

 

1. Redescobrir a novidade libertadora do perdão



A mensagem de Cristo sobre o perdão foi revolucionária na sua época e continua a sê-lo agora. Supõe uma mudança de paradigma em relação ao “olho por olho, dente por dente”[1]. Na mensagem cristã, como as relações humanas fundamentam-se no amor, o perdão – tal como o amor de Deus, do qual procede – não tem medida, não admite limites. Como devo perdoar? Como Ele nos perdoou. Quantas vezes devo perdoar? Até sete vezes? Até setenta vezes sete[2]. A quem devo perdoar? A todos, já que o “amarás o teu próximo”[3] de Jesus amplia o próprio termo e abrange todas as pessoas, incluindo os inimigos[4] 4 e qualquer ação ofensiva. Passa-se da limitação da vingança à “lógica do amor”[5], ao ato positivo de amar quem ofendeu.

A misericórdia e o perdão são declarados no Sermão da Montanha[6]. De fato, “Este pedido é tão importante que é o único ao qual o Senhor volta e que desenvolve”[7]. Também é destacado no Pai-Nosso[8]. É um aspecto central da mensagem de Jesus[9], confirmado com uma das suas últimas ações na terra, quando perdoa a violência da morte que se exercia contra Ele[10].

Devemos perdoar porque Deus nos perdoou primeiro. Temos de amar “como Ele nos amou”[11]. “O perdão de Deus converte-se também, nos nossos corações, em fonte inesgotável de perdão nas relações entre nós”[12]. Tal como Deus me perdoou desde a Cruz, sendo um “Amor que ama até o extremo do amor”[13], assim devemos nós perdoar, chegando também ao extremo.

O perdão faz parte da misericórdia divina e, como aponta São João Crisóstomo, “nada nos assemelha tanto a Deus como estarmos sempre dispostos a perdoar”[14]. Por isso, quem perdoa reflete com mais nitidez a imagem de Deus.


Perdoar é devolver um bem depois de receber um mal. É um modo especialmente intenso de doação de si mesmo, que eleva a pessoa. O perdão não deixa as coisas como antes. Pelo contrário, a relação fica renovada e, de certo modo, purificada e mais profunda. Assim, a morte de Cristo na cruz renova e eleva as relações de Deus com os homens e dos homens entre si. Entre a cruz e a ressurreição esteve o perdão.

Em toda ofensa somos agredidos com um mal que pode fazer nascer outro mal dentro de nós. Verdadeiramente esse é o mal que todos devemos superar. O perdão impede a vingança, acalma a sensibilidade e purifica a memória. Por parte de quem é perdoado, o perdão capacita-o para superar tanto a ofensa cometida como a corresponsabilidade pelo novo pecado que poderia surgir na pessoa ofendida.

A vontade de perdoar e a sua aceitação fazem surgir a verdade e a justiça, “pressupostos do perdão”[15]. Abre-se o caminho para a cicatrização das feridas e torna possível a reconciliação. Se quisermos construir uma sociedade verdadeiramente humana, um dos meios deve ser a recuperação do perdão na sua natureza original.

Notas: 

[1] Ex 21, 23-25; Lv 24, 18-20. Antes da vinda de Cristo, a lei do Talião já tinha sido superada pelo Direito Romano, que admitia a possibilidade de pactuar uma reparação pecuniária entre o ofendido e o ofensor, evitando assim a aplicação da lei do Talião, que só se aplicava em ausência de pacto. Posteriormente, o pacto converte-se em obrigatório, e a ofensa em princípio de obrigações, afastando-se ainda mais da lei do Talião. Cfr. D’Ors, Derecho Privado Romano, 10ª edição, Eunsa, Pamplona, 2010, § 378.

[2] Mt 18, 21-22.

[3] Mc 12, 29-31.

[4] Cfr. Mt 5, 43-44.

[5] São João Paulo II, Mensagem para a celebração da XXX Jornada Mundial da Paz, 1/01/1997, Oferece o perdão, recebe a paz.

[6] Mt 5, 3 e 11-12

[7] Catecismo da Igreja Católica, n. 2841.

[8] Mt 6, 9-13; Lc 11, 2-4. No Pai-Nosso de Mateus, Jesus Cristo, logo depois da recitação, como na altura das Bem-aventuranças, repete novamente a ideia do perdão (Mt 6, 14).

[9] “Devemos notar que Cristo, ao revelar o amor-misericórdia de Deus, exigia ao mesmo tempo dos homens que se deixassem guiar na própria vida pelo amor de pela misericórdia. Esta exigência faz parte da própria essência da mensagem messiânica e constitui a medula do ‘ethos’ evangélico”. São João Paulo II, Dives in misericordia, 30-XI-1980, n. 3.

[10] Lc 23, 34.

[11] Jo 13, 34.

[12] São João Paulo II, Mensagem para a celebração da XXX Jornada Mundial da Paz, 1/01/1997.

[13] Catecismo da Igreja Católica, n. 2843.

[14] São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 19, 7.

[15] São João Paulo II, Mensagem para a celebração da XXX Jornada Mundial da Paz, 1/01/1997. Ver também, para a relação perdão-justiça, São João Paulo II, Dives in misericordia, nn. 12 e 14. No n. 14 diz: “É óbvio que uma exigência tão grande do perdão não anula as exigências objetivas da justiça. A justiça retamente entendida constitui, por assim dizer, a finalidade do perdão”.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/o-perdao-em-sao-josemaria-escriva/#4homilia




terça-feira, 1 de março de 2022

CRISTÃOS REFORMADOS E A GUERRA NA UCRÂNIA

 Introdução  

Valter de Oliveira


Diante da invasão da Ucrânia pela Rússia há muitas perguntas: Quem tem razão? Quem devemos apoiar? Provocará uma Terceira Guerra  Mundial? Quais serão seus efeitos no Brasil? 

As respostas são as mais variadas. Envolvem inclusive muitas contradições. São analisadas conforme determinados interesses. Os especialistas chamados a fazer análises e prognósticos falam conforme a corrente geopolítica que defendem. Muito difícil para todos nós. Por mais que, eventualmente, o que é raro, tenhamos sólidos conhecimentos históricos, filosóficos, geopolíticos e até éticos. 

Em artigo na Gazeta do Povo o teólogo e pastor Franklin Ferreira toma partido pela Ucrânia como cristão reformado. Curiosamente usa os critérios de Santo Agostinho e São Tomás para afirmar que o posicionamento ucraniano é o correto. Isso apesar de reconhecer que os atuais projetos da União Européia, o da Rússia expansionista e o da China não devem ser apoiados por cristãos. 

O presente artigo complementa outros que foram publicados no site olivereduc.com nesta semana. 

A partir de amanhã postarei no site alguns artigos sobre a Quaresma. Em seguida voltarei a tratar da questão da guerra. Então, com mais informações, precisarei minha opinião particular sobre o tema. Por enquanto, como já escrevi, fica nossa solidariedade ao povo ucraniano. 

Segue o artigo de Franklin Ferreira.

Os cristãos diante da guerra na Ucrânia

Após o colapso da União Soviética, em 1991, a Ucrânia se tornou uma nação independente. Contudo, nas regiões de Donetsk e Luhansk, minorias russas começaram a reivindicar mais autonomia política. No final de 2010, o governo ucraniano buscou uma aproximação com a Europa Ocidental, a qual a Rússia se opunha. Em 2013, em meio a uma crise econômica, o presidente Viktor Yanukovych rejeitou um acordo com a União Europeia e iniciou uma reaproximação com o governo russo. A população ucraniana começou enormes protestos – retratados no documentário Winter on Fire – e o presidente renunciou em fevereiro de 2014. No mês seguinte, em meio à instabilidade política ucraniana, a Rússia anexou ao seu território a região da Crimeia. Em abril, uma revolta armada no leste da Ucrânia, insuflada por militantes pró-Rússia, levaram à separação das regiões de Donetsk e de Luhansk.

A invasão russa da Ucrânia

Depois de um longo impasse, no fim de 2021, o governo russo moveu uma enorme quantidade de tropas e equipamentos para a fronteira ucraniana. O presidente russo, Vladimir Putin, se opôs à aproximação da Ucrânia com o Ocidente e ao ingresso do país na OTAN. Ele via a Ucrânia, assim como outros países da Europa oriental, como parte da zona de influência russa, afirmando que a presença militar da OTAN no leste da Europa colocava a Rússia em perigo. Em 24 de fevereiro de 2022, após uma longa crise, que culminou no reconhecimento russo da independência das regiões de Donetsk e Luhansk, a Rússia lançou um ataque maciço à Ucrânia. Estamos, agora, no quarto dia de guerra, e até onde se sabe, as forças militares ucranianas têm infligido severas baixas ao invasor russo, que ainda tenta conquistar as principais cidades do país e as saídas para o Mar Negro e o Mar de Azov.

Mas, como Niall Ferguson escreveu: “Conheço a Ucrânia o suficiente para ter certeza de que a rendição não está nos planos. Um amigo ucraniano me disse que seu povo vai lutar contra o exército de Putin da mesma forma que os mujahideen afegãos lutaram contra o Exército Vermelho na década de 1980. Uma recente pesquisa de opinião do grupo de Estratégia Europeia de Yalta atesta a extensão do apoio popular à adesão à OTAN e à União Europeia, e a relutância da maioria dos ucranianos comuns em se submeter ao ataque russo”. No domingo à noite, pesquisas apontavam que 91% dos ucranianos apoiam as ações de seu presidente, Volodymyr  Zelensky, enquanto 70% creem numa vitória ucraniana que garanta a independência do país.

Não há nenhuma justificativa moral para a invasão russa da Ucrânia. Como Zachary B. Wolf destacou, a invasão russa é uma quebra contratual do direito internacional, pois a Ucrânia é um país independente, democrático e com presidente eleito que foi atacado. “As ações de Putin são um exemplo clássico do crime de agressão, que foi considerado o crime internacional supremo pelo Tribunal de Nuremberg após a Segunda Guerra Mundial”, ele escreveu. Não dá para entender como alguém pode defender uma barbárie como a perpetrada pela Rússia contra os ucranianos.

A fraqueza europeia

Em meio à invasão russa da Ucrânia, a fraqueza militar europeia foi exposta. Por exemplo, autoridades da Alemanha reconheceram que suas forças armadas não têm como proteger as fronteiras de seu país. Por exemplo, o Inspetor do Exército Alemão, general Alfons Mais, escreveu: “A Bundeswehr e o Exército que tenho o privilégio de liderar estão mais ou menos despidos. As opções que podemos oferecer aos políticos para apoiar a aliança são extremamente limitadas”. E a ex-Ministra da Defesa da Alemanha, A. Kramp-Karrenbauer disse: “Estou com tanta raiva de nós mesmos por causa do nosso fracasso histórico. Depois [das invasões russas na] Geórgia [em 2008] e na Crimeia e Donbass [em 2014], não preparamos nada que pudesse realmente deter Putin”. O mais chocante é que ambos os comentários foram postados no Twitter. Em 2018, em reunião da OTAN, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que “a Alemanha é refém dos russos porque 60% do gás que abastece o país vem da Rússia”. E “em vez de se proteger dos russos, o governo alemão vai gastar milhões com o gás que vai chegar de um novo gasoduto da Rússia”. Agora, os alemães resolveram aumentar o investimento militar e, depois de muita relutância, também enviaram equipamento militar para os ucranianos.

Mas, nas últimas décadas, a Europa se desmilitarizou e destruiu a noção de patriotismo em seu território. Gastou trilhões de euros com pautas como o multiculturalismo, o meio ambiente e as políticas identitárias. Ao mesmo tempo, a fé cristã tem sido constrangida e cerceada na Europa. Agora, os europeus estão à mercê dos anseios expansionistas da Rússia e dependente do gás que vem de lá. Enquanto as forças russas continuam a atacar a capital da Ucrânia, Kiev, os ucranianos arcarão com sofrimentos, privações, perdas e separações que virão. Diante dos heróis que estão tombando em defesa do país, como o fuzileiro Vitaliy Skakun Volodymyrovych, e Iryna Tsvila, uma veterana da Brigada de Resposta Rápida da Guarda Nacional da Ucrânia, mãe de 5 filhos, cantar a piegas Imagine diante de embaixada russa, como aconteceu em Budapeste, na Hungria, nessa última semana, é inútil. Aliás, as comoventes imagens de reservistas ucranianos se despedindo de suas famílias para ir para o campo de batalha para defender seu país da agressão russa lembra a frase de G. K. Chesterton: “O verdadeiro soldado luta não porque ele odeia o que está a sua frente, mas porque ele ama o que está atrás”.

O papel dos Estados Unidos no “Grande Jogo”

Os Estados Unidos, com Joe Biden na presidência, seguem o mesmo caminho europeu. Aliás, a eleição de Biden, um presidente senil, incapaz de formular uma frase, tornou o mundo um lugar muito perigoso – ainda que, em sua eleição, fosse celebrado por jornalistas que não mais informam, mas só fazem torcida, esperando que ele fosse trazer milagrosamente, através de seu palavrório woke, a paz definitiva. Sob o governo medíocre dos Democratas, os Estados Unidos vivem uma das piores crises políticas de sua história, experimentam inflação alta e aumento da violência nas grandes cidades, e desmoralização internacional.

A saída vergonhosa e humilhante dos Estados Unidos e da OTAN do Afeganistão foi criminosa. E sinalizou para a Rússia e a China que estes países podem fazer o que bem quiserem em suas áreas de interesse e os Estados Unidos e seus aliados ocidentais só falarão em sanções econômicas – e mais nada. Aliás, é preciso lembrar que a Crimeia foi conquistada pela Rússia no governo do inepto Barack Obama, e que tinha como seu vice-presidente Biden. Quando Putin interveio na Síria, tudo o que Obama fez foram discursos indignados. Agora, a Ucrânia é invadida no governo Biden. Não custa destacar que os países que apoiam Putin e a Rússia são ditaduras brutais como Irã, China, Coreia do Norte, Síria, Venezuela, Cuba, Bielorrússia e Nicarágua. Quando ditaduras brutais apoiam uma invasão injustificada, sabemos com certeza que algo está profundamente errado.

Diante da complacência e fraqueza ocidentais, Vladimir Putin avança para tentar se tornar o “Soberano de toda a Rússia: a Grande, a Pequena, e a Branca”. Seus heróis são Pedro, o Grande, Catarina, a Grande e os Romanov – aliás, o presidente russo afirma que Pedro, o Grande, é seu “líder favorito”. “Ele viverá”, declarou o presidente russo, “enquanto sua causa estiver viva”. Como Ferguson escreveu: “Qual foi a causa de Pedro? Em essência, fazer da Rússia uma grande potência europeia, capaz de igualar a Áustria, Grã-Bretanha, Prússia e França, tanto no poderio militar quanto nos fundamentos econômicos e burocráticos [...]. Nenhum historiador contestaria que ele conseguiu isso. Na Batalha de Poltava (8 de julho de 1709), o czar Pedro obteve a vitória mais importante de seu reinado, derrotando o exército de Carlos XII da Suécia, que havia sido uma das grandes potências durante o século 17. Poltava fica a cerca de 320 quilômetros a leste de Kiev, não muito longe de Luhansk e Donetsk. Esta é a história que inspira o atual czar Vladimir, muito mais do que os capítulos sombrios do reinado de terror de [Josef] Stalin, que será para sempre associado nas mentes ucranianas ao Holodomor, a fome genocida [...] infligida à Ucrânia em nome da coletivização agrícola [comunista, quando foram mortos cerca de 7 a 10 milhões de ucranianos]. É uma história que nos lembra o quão crucial foi a vitória no território que hoje é a Ucrânia para a ascensão da Rússia como grande potência europeia. Recorda-nos também que este território era tão disputado no início do século 18 como é hoje”.

Em suma: na atualidade, governos esquerdistas, como nos Estados Unidos e em grande parte da União Europeia, têm como foco principal políticas e causas identitárias e o crescimento da burocracia estatal, além da agenda climática – que levou a Alemanha a depender quase exclusivamente do gás e petróleo russo. Mas estes governos, ao reduzir a política de seus países a estes fins, se tornaram um perigo mortal para o Ocidente e para o resto do mundo. Na verdade, os esquerdistas no Ocidente são traidores da cultura greco-judaica que fundou o Ocidente, e podem terminar por entregar o Ocidente e seus aliados no Oriente Médio, África e Ásia numa salva de prata para a Rússia e a China. O Ocidente precisa recuperar com urgência sua herança intelectual e espiritual robusta, se quer ser, de fato, uma opção ao avanço de russos, chineses e islamitas.

Desafios para os cristãos

Os cristãos precisam perceber que estamos no meio de um conflito entre o globalismo pagão ocidental, o nacionalismo imperialista russo e o totalitarismo comunista chinês – ao mesmo tempo em que a Ucrânia era atacada, a China comunista continuava suas provocações na Ásia, enviando aeronaves militares para violar o espaço aéreo de Taiwan. Como cristãos, não há como apoiar nenhuma das três opções ideológicas – e nem está sendo mencionado o perigo que o islã político também representa para o Ocidente.

Diante dessas ameaças, será que os cristãos ainda podem defender uma noção de “guerra justa?” Diante da invasão russa à Ucrânia, os cristãos devem lembrar que há uma longa tradição cristã da ideia de uma guerra justa. Esse conceito pode ser encontrado nas obras de Agostinho de Hipona e, principalmente, nas de Tomás de Aquino. De acordo com esses escritores, normalmente as condições para uma guerra justa são sete: (1) a causa pela qual a guerra está sendo realizada tem de ser justa; (2) o propósito justo deve permanecer durante as hostilidades; (3) a guerra tem de ter a intenção de estabelecer um bem (4) ou corrigir um mal; (5) deve ser efetuada por meios aceitáveis; (6) deve ser apenas um último recurso (7) e deve ter o alvo de uma paz justa. A defesa da Ucrânia confirma todos os critérios de uma guerra de defesa e justa.

O poder da oração em meio à guerra

Em meio à guerra, sinais da vitalidade cristã aparecem na Ucrânia, como a imagem do ucraniano orando ao pé da cruz em Kiev. A demanda pelas Escrituras no país devastado pela invasão russa é tão alta que a Sociedade Bíblica da Ucrânia ficou sem cópias de Bíblias. Assim, em meio à guerra, os ucranianos estão se voltando à Palavra para encontrar esperança e consolo. Se tornou viral o vídeo, publicado pela Christian Emergency Alliance, de cristãos ucranianos adorando em uma estação de metrô em Kiev. Eles cantavam sobre o perdão, a salvação, a misericórdia, a alegria, a paz ao povo da Ucrânia. A luz do Messias Jesus, como revelado na Bíblia, brilha na escuridão da guerra.

Assim, esta semana, a World Evangelical Alliance (Aliança Evangélica Mundial), por meio de seu secretário geral, Thomas Schirrmacher, e a World Reformed Fellowship (Fraternidade Reformada Mundial), por meio de seu diretor internacional, Davi Charles Gomes, publicaram o seguinte chamado conjunto à oração. Como preâmbulo, Davi Charles Gomes escreveu: “Enquanto muitos buscam algum tipo de unificação global política, de mercado ou coisa e tal, ou ainda qualquer coisa que pretenda inverter o que Deus fez em Babel, a única agência verdadeiramente global e de escopo universal é a igreja visível de Cristo. A Igreja global, aquela manifestação visível do Reino de Cristo que se espalha por todo canto da terra, tem sido o sal e luz neste mundo tenebroso. Neste momento em que contemplamos estarrecidos a invasão da Ucrânia, duas agências para-eclesiásticas (que existem para dar apoio e suporte à Igreja Global), a WEA (World Evangelical Alliance) e a WRF (World Reformed Fellowship), representando milhares de organizações e centenas de denominações associadas e, assim, dezenas de milhões de membros, resolveram se manifestar conjuntamente e de forma singela”. Segue a declaração conjunta:

“Nós, líderes e membros da World Evangelical Alliance e da World Reformed Fellowship, expressamos nossa profunda consternação quanto aos recentes eventos na Ucrânia.

Instamos os líderes políticos e militares que cessem imediatamente todos os atos de hostilidade, pelo bem do povo da Ucrânia.

Pelos cristãos Evangélicos e Reformados, e por todo o povo ucraniano, empenhamos nossas orações ao Pai Celeste, que na Graça de Cristo ele os conforte e os proteja neste tempo tão sombrio.

Para cristãos Evangélicos e Reformados fora da Ucrânia, pedimos que se juntem a nós em súplice oração pelo povo ucraniano e instamos demonstrações de apoio a todas as pessoas da Ucrânia, mas especialmente às igrejas Evangélicas e Reformadas, às organizações cristãs e aos indivíduos cristãos na Ucrânia”.

Portanto, que os cristãos atendam ao chamado da Escritura: “Antes de tudo, peço que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças em favor de todas as pessoas. Orem em favor dos reis e de todos os que exercem autoridade, para que vivamos vida mansa e tranquila, com toda piedade e respeito. Isto é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador, que deseja que todos sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade. Porque há um só Deus e um só Mediador entre Deus e a humanidade, Cristo Jesus, homem, que deu a si mesmo em resgate por todos, testemunho que se deve dar em tempos oportunos” (1Timóteo 2.1-6).

Pois o que cabe nesse momento aos cristãos é, ao mesmo tempo que se portam com discernimento, orar e suplicar para que Deus tenha piedade de todos aqueles que estão nas regiões em conflito e de seu povo, batizado no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, na Rússia e na Ucrânia – assim como na Lituânia, Letônia, Estônia, Polônia e Taiwan. E que seu único Filho, o Messias e Senhor Jesus, retorne em triunfo para implantar em definitivo seu poderoso Reino de paz.

 https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/franklin-ferreira/os-cristaos-diante-da-guerra-na-ucrania/





terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

NÃO COMPLIQUEMOS NOSSAS VIDAS 2

 

  

 Depois destas considerações (ver parte 1), poderemos enfrentar as aparentes contradições a que aludimos acima sem nos sentirmos demasiado atemorizados e sem tentarmos encontrar argumentos intelectuais para todos os passos.

O equilíbrio

Onde se encontra, pois, o equilíbrio entre:

    1. "Limitar-se a fazer", por um lado, e "deixar as coisas acontecerem", por outro?

    2. "Empenhar-se honestamente", e "não exagerar no esforço"?

    3. "Ser sincero", sem "levar tudo a sério"?

    4. "Deixar que seja Deus quem guie as nossas vidas", e "ter iniciativas próprias"?

    5. "Sermos nós mesmos", e "controlar o nosso ego"?

    Estas indagações não têm resposta simples em pura lógica: na verdade, a resposta consiste na "sabedoria para conhecer a diferença', ou seja, num sistema de orientação externo a nós mesmos. Muitas pessoas que vivem conforme estamos recomendando, fazem uso habitualmente da Oração da Serenidade:

    Senhor, dai-me serenidade

    para aceitar aquelas coisas que não puder mudar,

    coragem para mudar aquelas que puder,

    e sabedoria para conhecer a diferença. 

    E aí está a nossa resposta: o que importa é pedir continuamente a sabedoria necessária para conhecer a diferença. Ora bem, não se armazena sabedoria somente na cabeça, que é onde guardamos aquelas coisas que estamos continuamente a esquecer. Aliás, a sabedoria não é armazenada de maneira nenhuma; vem à mente e ao coração quando dela necessitamos, e não antes. 

    Contudo, mesmo que a procuremos, enganar-nos-emos de vez em quando, e era de esperar; mas vamos fazendo a experiência de que o mundo não vem abaixo por causa disso, e assim aprendemos a tomar as nossas próprias decisões e a viver com as consequências. E quando incidimos em algum erro, passamos a ter a capacidade de admiti-lo imediatamente e de retificar o nosso rumo. 

    E como saberemos que nos estamos afastando do ponto de equilíbrio e deixando de dar ouvidos à "sabedoria para conhecer a diferença"? É que, muito sutilmente, o ego vai-se apossando dos controles e nos leva a voar baixo e a perder velocidade. Mas temos um alarme que dispara nesses momentos: o medo, que nos avisa de que nos distanciamos do nosso Pai e voltamos a pretender dirigir nós mesmos o espetáculo.

    Este alarme, no entanto, está longe de constituir um desastre em si mesmo. Pelo contrário, foi instalado em nós para ajudar-nos a evitar os desastres: se deixarmos o Piloto reassumir os comandos, voltaremos à altitude de cruzeiro sem maiores problemas. Em outras palavras, as aparentes contradições que apontamos não devem causar-nos preocupação alguma, pois temos um sinal de alarme embutido que nos ajuda a manter o equilíbrio entre os extremos. Ou seja, não temos necessidade alguma de "conhecer as respostas" das contradições que apontávamos'. 

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Até aqui John Nugent mostrou-nos como complicamos nossas vidas "racionalizando tudo". No próximo post ele analisa mais dois complicadores: a tendência ao perfeccionismo e depositarmos em nós expectativas que não são razoáveis. 

Realmente gostamos de nos complicar... (V.O.)

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Fonte: Nugent. John D. - Nervos, Preocupações e Depressão - São Paulo: Quadrante, 1992. p. 98-100. 



    


sábado, 12 de fevereiro de 2022

NÃO COMPLIQUEMOS NOSSAS VIDAS

 Introdução


    

No livro "Nervos, preocupações e depressão, John D. Nugent, em nove capítulos, convida-nos a combater toda forma de negativismo, "e consequentemente à melancolia, apatia, ou depressão". Tudo isso, "quando não têm causas orgânicas" (...) parece derivar de uma atitude até certo ponto pagã, ou mais propriamente de uma compreensão insuficiente do cristianismo, mais em concreto da doutrina da Redenção. Essa espécie de cegueira interior (é assim que ele também denomina esse negativismo que toma conta da pessoa) supera-se, porém, quando há docilidade, isto é, a disposição de aprender mais, de compreender o que Deus quis dizer-nos através dessas mesmas circunstâncias particulares à luz da Revelação Divina. (1)

    No capítulo 1, "Conhecendo-nos" a nós mesmos Nugent revela que foi um homem que por mais de 20 anos teve sérios problemas oriundos de viver focado nos aspectos negativos da vida, reais ou potenciais. Só veio a melhorar quando decidiu a mudar suas atitudes. Certamente isso ocorreu com o auxílio da graça. E ele garante que o milagre que aconteceu com ele também viu em outros que tomaram decisões semelhante à sua. Resolveu apresentar seu caminho aos outros de modo simples, que está relacionado com a fé mas não é propriamente um livro religioso. 

    Não é minha intenção aqui convidar o leitor a ver um resumo da obra. Mais útil, parece-me é que procurem conhece-la. Vale a pena. É um livro pequeno, da Quadrante. 110 páginas que podem ser lidas rapidamente. Contudo, talvez seja mais útil ler e refletir um capítulo por dia. 

    No oitavo capítulo, "Não complique", ele faz observações que são úteis ainda que não tenhamos visto o conjunto da obra. Vou reproduzi-la aqui no blog em duas partes. Os subtítulos são do blog. (V.O.)

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    "De todas as pessoas que existem nesse mundo, nós somos aquelas que mais necessidade têm de carimbar a frase "Não complique" no dorso de nossas mãos. Se tivermos um histórico pessoal que inclua doenças (...), estados de ansiedade ou padrões de pensamento que tendam a tornar-se obsessivos, a razão é que construímos no nosso íntimo o hábito mental de intelectualizar tudo. Olhemos para trás e vejamos de onde se originou esse hábito.

A origem da mentalidade obsessiva (2) 

    Quando éramos crianças, os nossos professores costumavam dizer-nos: "Pense, pense. Use a cabeça". E tinham razão, como é evidente. (...) Mas a verdade é que abusamos dessa recomendação e imaginamos que, se acumulássemos um estoque suficiente de respostas e usássemos a nossa razão, seríamos capazes de resolver qualquer problema que se apresentasse.

    Durante algum tempo, esse método funcionou. Com efeito, conseguimos equacionar todas as questões que enfrentamos - até certo ponto. E então a vida traçou meia dúzia de curvas, o método do "pense, pense, pense", deixou de funcionar, e todas as certezas que tínhamos desfizeram-se em cinzas.

Erramos, e não aprendemos. Complicamo-nos.

    Mas não aprendemos a lição. Fomos continuando a pensar com intensidade ainda maior. Pusemos os nossos cérebros a dar voltas, tentando prever as diversas hipóteses e encontrar a resposta para os nossos problemas. E neste processo tornamo-nos pessoas imensamente complicadas, incapazes de aceitar que há inúmeros problemas nessa vida que não se resolvem apenas com o raciocínio, e que há outros que não têm solução. Não aceitamos que toda a realidade é um entrelaçado de coisas materiais e espirituais, cuja solução não se encontra exclusivamente no plano humano. Agora temos de reverter todo o processo e aprender a usar a nossa cabeça de maneira mais razoável. 

    O que fomos descobrindo até agora são verdades revestidas de uma bela simplicidade. Mas o fato de serem "simples" não significa necessariamente que sejam fáceis. ; significa apenas que não são complicadas. Nelas encontramos, porém, algumas contradições aparentes, que teremos de resolver, se ainda nos sobra paciência suficiente para enfrentarmos mais algumas contradições...; e, para resolvê-las - acredite se quiser - , teremos de pensar sobre a maneira como pensamos.

Indios: " O homem branco é louco. Pensa com a cabeça.

    Os índios Pueblos do Novo México deixaram perplexo o psiquiatra Carl Jung ao afirmarem que consideravam o homem branco louco por pensar com a cabeça. Com efeito, parece-me que não é à toa que nos referimos a gente com "a cabeça desarranjada", ou que damos pancadinhas na testa quando encontramos alguém mais doido do que nós mesmos. O índio pensa com o coração, e as tribos mais primitivas até mesmo com o estômago... E se observarmos o caos crescente em que a Civilização Ocidental vem mergulhando, não estaria inteiramente fora de propósito perguntarmo-nos se, afinal de contas, esses povos não teriam alguma razão. 

E a intuição?  

  

 Na medida em que crescemos, todos vamos desenvolvendo um certo respeito pelo "outro lado" de nossas mentes. Começamos a utilizar o lado receptivo e intuitivo - também receptivo em relação às luzes de Deus-; apendemos que boa parte de nosso "pensamento" pode ser tranquilamente confiado aos juízos habituais da nossa boa consciência, e que podemos apoiar-nos com segurança na intuição que nos diz quando pegar ou largar. Passamos a enfrentar a vida com renovada confiança em que, se deixarmos de lado os furiosos questionamentos cerebrinos, o nosso eu "sonhador" terá mais liberdade para desempenhar bem o seu papel no palco; e descobriremos assim que a mente humana é um instrumento muito mais sofisticado e perfeito do que jamais ousamos acreditar. Por fim, experimentaremos também que um coração simples e reto, é mais fácil sintonizar com a verdade simples e reta de Deus.

    Depois dessas considerações, poderemos enfrentar as aparentes contradições a que aludimos acima sem nos sentirmos demasiado atemorizados e sem tentarmos encontrar para todos os passos." (3)

    Neste ponto John Nugent pergunta onde se encontra o equilíbrio, tão importante para nossa alma?

    É o que veremos na postagem de amanhã. 


Fonte: Nugent, John D.  Nervos, Preocupação e Depressão. trad. Henrique Elfes. São Paulo: Quadrante, 1992.

Notas do blog:

1. Op. cit. p. 3,4

2. Cada um de nós pode ficar obcecado com várias coisas.  Quais  quais são nossos "problemas"? O que  nos aflige? A covid? A saúde de modo geral? O perigo de perder o emprego? As dificuldades causadas pelos outros? os sonhos que não podemos realizar? A suposição que conseguimos planejar toda a nossa vida?  A crise da Igreja? As preocupações políticas?  Essas e outras são dificuldades que podem ser transformar em obsessões que podem fazer que mergulhemos no pessimismo. Obsessões que tiram nossa paz e até a dos outros.

3. Op.cit. p. 96-98

Obs: o destaque no texto, em itálico, é do blog.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

AS BOAS E AS MÁS COMPANHIAS

 

O texto de S. João Bosco é um belo exemplo de como a moral católica era pregada no seu tempo. Ensinamento claro que também encontrávamos nos conselhos de nossos avós e nos provérbios populares. 

Lembremos que ele trabalhava com jovens. 


São João Bosco




"
Há três espécies de companheiros: os bons, os maus e os que estão no meio termo. Com os bons podemos nos relacionar, que será muito frutuoso, com os medíocres somente quando houver necessidade, mas sem contrair familiaridade. quanto aos maus, devemos evitar sempre. 

Quem são esses terríveis maus companheiros? Todos que não se envergonham de ter conversas obscenas, murmuradores, mentirosos, blasfemadores; os que têm vida escandalosa e aconselham a desobedecer aos pais, a roubar, a transgredir os deveres. Todos esses são péssimos companheiros e ministros de Satanás, dos quais você deve fugir mais do que da peste e do demônio.

Quem andar com o virtuoso, será também virtuoso. Estando com os bons, eu garanto que alcançará o Paraíso. Pelo contrário, permanecendo com os perversos, sua alma corre grande perigo. 

Alguém poderá dizer: São tantos os maus, que seria preciso "sair deste mundo para poder evitá-los. É verdade que são numerosos e, é justamente por isso que o risco é grande. Lembre-se de que sempre terá a companhia de Jesus Cristo, da Bem-Aventurada Virgem Maria e do Santo Anjo da Guarda. Existirão companheiros melhores que esses? 

É possível encontrar bons amigos, juntos poderão frequentar os Sacramentos da Confissão e da Eucaristia. amigos que com palavras e exemplos, estimularão o cumprimento dos deveres sociais e religiosos. 

Desde que Davi, quando jovem, conheceu Jônatas, tornaram-se grandes amigos com proveito recíproco, porque um animava o outro nas práticas das virtudes."


São João Bosco: O Cristão Bem Formado, p. 22. Publicado originalmente por Alair Brandalise.


domingo, 23 de janeiro de 2022

O RESSENTIMENTO. PARTE 2

 


Meditar sobre quem nos feriu...

Como? 


Terminamos o post anterior afirmando que, para combatermos o ressentimento, deveríamos, antes de tudo, procurarmos um bom diretor espiritual. Suficiente? Não. John D. Nugent dá outras indicações. A primeira delas exige que saibamos ver quem nos ofendeu com outro olhar:

"Depois (de ouvir o conselheiro) meditaremos alguns momentos sobre a pessoa que nos feriu, não de maneira vingativa, mas de forma compassiva e compreensiva. Não há ninguém debaixo do céu que não tenha algo de bom, e se pensarmos no outro sem prevenções, descobriremos que esta regra também se aplica a ele. Lancemos mão de um pouco de fair-play: houve momentos no nosso passado em que nós mesmos machucamos os que nos cercavam ou fomos injustos com eles. Muito razoavelmente, perdoamo-nos essas nossas faltas, reconhecemos a nossa falibilidade humana, e aceitamos que houve épocas em que o nosso desempenho não era lá muito primoroso; agora, trata-se de aplicar exatamente a mesma tolerância à pessoa que nos ofendeu. Pode ser que ela tenha cometido um grande erro ao dizer ou fazer o que fez, mas com toda a certeza não detém o monopólio de todos os erros. E não preciso ser matemático para descobrir que o normal será perdoá-la sem reservas, e com o mesmo coração grande que perdoamos a nós mesmos. 

Mas ainda não basta. Ao perdoarmos os outros, facilmente nos sentimos mais elevados a grandes alturas morais; no entanto, esse é um pedestal ao qual nunca deveríamos subir, pois as nossas cabeças simplesmente não suportam as altitudes elevadas: ao perdoar, costumamos assumir ares de falsa dignidade, pensando em como somos generosos. também esta é uma atitude que será preciso superar: se pretendemos estar afinados  com a realidade, temos de chegar a perceber que, no fundo, não existe nada a ser perdoado. É bom pensar que todo o mundo, mesmo a pessoa mais desagradável, de ordinário faz o melhor que sabe. se soubesse mais, faria melhor. Dadas as limitações da condição humana, as circunstâncias da situação e as pressões internas que todos sofrem e que nós não conhecemos, em muitas ocasiões era impossível ou muito difícil que essa pessoa se comportasse de maneira diferente do que fez. Esqueça a história de "perdoar" com o ar superior do ofendido: não há nada a perdoar. Quem concede o perdão assume às vezes poses demasiado farisaicas. 

Tudo requer esforço

(...)

Em suma , livrar-se dos ressentimentos não é um acontecimento; é um processo, e requer esforço. E se queremos sentir-nos livres em nós mesmos e conhecer a paz de espírito, temos de levar a cabo esse esforço. Os ressentimentos não se vão embora sozinhos; simplesmente escondem-se durante algum tempo e acabam por explodir mais tarde, no pior momento possível. (...).

Quando expomos consistentemente e com sinceridade os nossos velhos ressentimentos ao nosso conselheiro espiritual, e lançamos fora os novos à medida que se apresentam, acaba por produzir-se em nós uma mudança muito profunda da atitude que temos diante dos outros. Libertamo-nos da nossa velha sensibilidade espinhenta e deixamos de procurar ocasiões para nos sentirmos insultados. Pomos fim às nossas infantilidades absurdas - como por exemplo exigir que os outros nos peçam desculpas ou insistir nalguma demonstração tola de dignidade -, e uma tolerância ampla, que nos custou trabalho desenvolver, acaba por tornar-se quase instintiva, de modo que chegamos a desenvolver uma genuína compreensão das limitações alheias". 


Excerto de "Nervos, Preocupações e Depressão", John D. Nugent, São Paulo: Quadrante, 1992, p. 90-92.


sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

O PROBLEMA DO RESSENTIMENTO

 Valter de Oliveira


Há pessoas que facilmente esquecem o mal que lhes fizeram. Outras, pelo contrário, não esquecem. Algumas até dizem que perdoam, mas não esquecem. Fala-se que há problemas que herdamos da infância. Ou que nosso temperamento influi. Acredito. De qualquer modo, não é desculpa. Todos podemos educar o temperamento. Pode ser difícil. Nunca é impossível. 

Outro dia, lendo um livro de espiritualidade de John D. Nugent (1) encontrei suas considerações sobre o assunto. Ele fala de "um verme (...) que nos costuma roer por dentro e roubar-nos como nenhum outro a paz do espírito: o dos ressentimentos" (...) E continua:

"A palavra ressentimento significa "voltar a sentir". Trata-se de uma espécie de fita de vídeo particular que guardamos na nossa cabeça e que passamos e voltamos a passar até sabermos de cor e salteado cada linha e cada cena. Se o vídeo registrasse dias felizes passados ao sol, é bem verdade que não haveria um modo melhor de usar a memória. Via de regra, porém, não se trata desse tipo de filmes.

O vídeo a que se costuma chamar ressentimento é justamente o que registra as cenas em que fomos machucados, humilhados, confundidos ou tratados de maneira injusta por alguma pessoa ou situação do passado. Costuma ser tecnicamente de primeira qualidade: cada cena e cada palavra têm o brilho de um diamante, a trilha sonora é quadrafônica, e a dor e a humilhação que o incidente nos causou voltam uma e outra vez com toda a força. Pode ter sido filmado ao ar livre ou no estúdio (ou seja, os nossos ressentimentos podem ser reais ou imaginários), mas pouco importa. Seja como for, machuca-nos profundamente, suscita profunda ira no nosso íntimo e leva-nos a jurar vingança: mesmo que levemos um milhão de anos, chegará o momento de ajustarmos todas as contas de de acertarmos todas as dívidas...(2)".

Nugent pergunta: Como superar o ressentimento?

Poderíamos dizer que nossas más paixões devem ser combatidas com racionalidade. Acredito que possa ajudar. Entretanto ele diz: 

"Não é possível superar os ressentimentos mediante o raciocínio; aliás, nós mesmos sabemos muito bem que isso não passaria de um exercício sem sentido. As pessoas de quem juramos vingar-nos estão polidamente cuidando das suas próprias vidas, sem a menor consciência de se encontrarem incluídas na nossa "lista negra", e  o mais provável é que não estejam sequer pensando em nós. E nós, pobres mortais tolos, dedicamo-nos a conceder-lhes alojamento gratuito nas nossas cabeças, a dar-lhes a oportunidade de nos ferirem uma e outra vez, e ainda por cima pagamos a filmagem... Sabemos perfeitamente que não alcançaremos a paz de espírito enquanto não nos livrarmos da nossa coleção de home vídeos. Mas como? Quem quererá comprá-la?"

Mas, por que, só a racionalidade não resolve? poderíamos perguntar.

O autor responde:

"Mesmo tendo encaixado todas as razões certas no lugar certo, podemos perfeitamente fazer a coisa de maneira errada. Podemos, por exemplo, decidir friamente "deixar tudo isso para trás", desligar o televisor e fingir que nada aconteceu. Mas a dor emocional não se deixa prender assim: tem necessidade de exteriorizar-se. Se tentarmos emparedá-la, começará a arder e acabará por explodir; há mesmo alguns psiquiatras que afirmam que a depressão não é mais do que uma ira dirigida para dentro por não ter sido expressa no momento em que devia. Ou então podemos sentir-nos magoados, mas decidir imediatamente esquecer , e depois de alguns dias descobrir um fantasma inquieto a ronda pela nossa cabeça sem que saibamos o que é. 

Qual a solução?

Vejamos hoje o primeiro ponto. Está ligado a uma sadia espiritualidade.

"A verdadeira solução é dirigirmo-nos rapidamente ao conselheiro espiritual ou confidente (3) que tenhamos escolhido para contar-lhe o que aconteceu. Não deixamos nada de lado; relatamos o incidente narrando o que sentimos na ocasião e o que sentimos agora. Damos expressão às nossas emoções, à raiva, à vergonha e à humilhação que nos dominaram. A objetividade da pessoa que nos ouve - e a nossa própria humildade, ao revelarmos a nossa dor e a nossa fraqueza - extraem quase todo o veneno aos acontecimentos. Desta forma, ao invés de permanecermos sentados e de tentarmos resolver o assunto por nossa própria conta, tomamos a decisão de agir, o que por si só trará consigo a sua recompensa. E assim faremos a experiência de que um sem-número de coisas sobre as quais nos parecia difícil falar se tornam triviais quando conseguimos exteriorizá-las" 

Os outros pontos veremos no próximo post. Amanhã ou depois. De momento já temos bons pontos para refletirmos. 


Notas:
 

1. John D. Nugent. "Nervos, Preocupações e Depressão". trad. Henrique Elfes. São Paulo: Quadrante, 1992. p. 88-90.  

2. O livro foi escrito há 30 anos. Imagine o que ele diria dos ressentimentos da geração mi-mi-mi que fica melindrada por qualquer coisa, que exagera brutalmente tudo o que lhe acontece e que adora cultivar a mágoa no pântano da internet...

3. É preciso saber escolher o diretor espiritual e, principalmente, o confidente. Temos que saber escolher pessoas criteriosas, prudentes, discretas, que realmente possam nos ajudar. Bem sabemos que, infelizmente, há quem tenha como confidentes pessoas que também se afogam com seus problemas.  



domingo, 9 de janeiro de 2022

CRISTO E O COPO D"ÁGUA. Valor das coisas simples

 Francisco Faus


    "É muito esclarecedor o que Jesus diz sobre o grande valor que pode ter um simples copo de água: "Todo aquele que der ainda que seja somente um copo de água fresca a um destes pequeninos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo, não perderá a sua recompensa (Mt 10, 42). Quer dizer que tudo o que for bom e reto, tudo o que não for egoísta, por pequeno que seja, se é vivido com amor (a Deus e aos irmãos) passa a ser um bem eterno, que a morte não poderá levar. Jesus frisa especialmente as boas obras, as obras de misericórdia feitas em favor dos necessitados: "Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber (...) . Todas as vezes que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes" . É bonito perceber que, vivendo assim, agindo retamente, com coração grande, podemos tornar eterno, pelo amor, tudo o que fazemos.

    De fato, se vivêssemos deste modo, que medo poderíamos ter? É inevitável, certamente, o medo psicológico instintivo (pura reação emocional), que acomete diante de um perigo, um assalto, uma doença grave, uma incerteza... Mas o cristão pode superar esse temor graças à virtude da esperança, coisa que o descrente não pode. Pode superar isso, porque a esperança cristã (virtude teologal) nos garante, com absoluta certeza, duas coisas:

        - Primeira, que Deus é tão bom que faz concorrer tudo para o bem daqueles que o amam (Rom 8,            28), absolutamente tudo. 

       - Segunda, que, se lhe formos fiéis, o sorriso de Cristo estará nos aguardando, por assim dizer, na            porta da casa do Pai, para nos oferecer uma felicidade eterna, um Amor sem fundo e sem fim. "Eu         vou preparar-vos um lugar (...). Quero que onde estou, estejais vós comigo (...). Vinde, benditos de         meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo" (cf. Jo 14, 2-4;         Jo 17, 24; Mt 25, 34).

Excerto de A Ressurreição e a Esperança Cristã / Francisco Faus - Sãp Paulo: Quadrante, 2015 - (Temas Cristãos; 162), p. 33,34.