segunda-feira, 26 de setembro de 2022

OS SANTOS, A MISÉRIA HUMANA E A HUMILDADE


Alguém disse que a alma humana é como uma catedral, cheia de luz e sombras.

Também é dito que na alma de cada um de nós há joio e trigo.

É uma consequência da natureza humana decaída. Temos muitas coisas magníficas e também muita coisa miserável.

Esta última parte deve ser lembrada para lembrar-nos que nada somos sem Deus que, continuamente, também pede que tenhamos uma alma grande.

É neste sentido que colocamos aqui o pensamento de três grandes santos. O objetivo de cada um é convidar-nos à humildade. 


 NA IDADE MÉDIA


"O que éramos? Nada.

O que somos? Vaso de escórias.

O que seremos? Pasto de vermes".


(São Bernardo de Claraval. 1090-1153).


NA IDADE MODERNA


"Somos naturalmente mais orgulhosos que o pavão, mais presos à terra que o sapo, mais repulsivos que bodes, mais vorazes que as serpentes, mais gulosos que os porcos, mais preguiçosos que tartarugas, mais fracos que capim e mais inconstantes que cata-ventos. Não temos no fundo de nós a não ser vazio e pecado (...) 

(São Luis Maria Grignon de Montfort - 1673- 1716.Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem Maria). 


EM NOSSA ÉPOCA


259. "A oração é a humildade do homem que reconhece a sua profunda miséria e a grandeza de Deus, a Quem se dirige e adora, de maneira que tudo espera d'Ele e nada de si mesmo.

A fé é a humildade da razão, que renuncia ao seu próprio critério, e se prostra ante os juízos e a autoridade da Igreja.

A obediência é a humildade da vontade, que se sujeita ao querer alheio, por Deus. 

A castidade é a humildade da carne, que se submete ao espírito. 

A humildade exterior é a humildade dos sentidos.

A penitência é a humildade de todas as paixões, imoladas ao Senhor.

A humildade é a verdade no caminho da luta ascética. 


260. Grande coisa é saber-se nada diante de Deus, porque é assim mesmo. 


261. "Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração...". Humildade de Jesus!... Que lição para ti, que és um pobre instrumento de barro!. Ele - sempre misericordioso - levantou-te, fazendo brilhar na tua vileza, gratuitamente elevada, os resplendores do sol da graça. E tu, quantas vezes disfarçaste a tua soberba sob a capa de dignidade, de justiça! E quantas ocasiões de aprender do Mestre desaproveitaste, por não teres sabido sobrenaturalizá-las! 

(São Josemaría Escrivá, 1902-1975). 



Fonte: https://pt.escrivaworks.org/book/sulco-capitulo-8.htm













QUEM PERDOA SE ASSEMELHA A DEUS

 

1. Redescobrir a novidade libertadora do perdão



A mensagem de Cristo sobre o perdão foi revolucionária na sua época e continua a sê-lo agora. Supõe uma mudança de paradigma em relação ao “olho por olho, dente por dente”[1]. Na mensagem cristã, como as relações humanas fundamentam-se no amor, o perdão – tal como o amor de Deus, do qual procede – não tem medida, não admite limites. Como devo perdoar? Como Ele nos perdoou. Quantas vezes devo perdoar? Até sete vezes? Até setenta vezes sete[2]. A quem devo perdoar? A todos, já que o “amarás o teu próximo”[3] de Jesus amplia o próprio termo e abrange todas as pessoas, incluindo os inimigos[4] 4 e qualquer ação ofensiva. Passa-se da limitação da vingança à “lógica do amor”[5], ao ato positivo de amar quem ofendeu.

A misericórdia e o perdão são declarados no Sermão da Montanha[6]. De fato, “Este pedido é tão importante que é o único ao qual o Senhor volta e que desenvolve”[7]. Também é destacado no Pai-Nosso[8]. É um aspecto central da mensagem de Jesus[9], confirmado com uma das suas últimas ações na terra, quando perdoa a violência da morte que se exercia contra Ele[10].

Devemos perdoar porque Deus nos perdoou primeiro. Temos de amar “como Ele nos amou”[11]. “O perdão de Deus converte-se também, nos nossos corações, em fonte inesgotável de perdão nas relações entre nós”[12]. Tal como Deus me perdoou desde a Cruz, sendo um “Amor que ama até o extremo do amor”[13], assim devemos nós perdoar, chegando também ao extremo.

O perdão faz parte da misericórdia divina e, como aponta São João Crisóstomo, “nada nos assemelha tanto a Deus como estarmos sempre dispostos a perdoar”[14]. Por isso, quem perdoa reflete com mais nitidez a imagem de Deus.


Perdoar é devolver um bem depois de receber um mal. É um modo especialmente intenso de doação de si mesmo, que eleva a pessoa. O perdão não deixa as coisas como antes. Pelo contrário, a relação fica renovada e, de certo modo, purificada e mais profunda. Assim, a morte de Cristo na cruz renova e eleva as relações de Deus com os homens e dos homens entre si. Entre a cruz e a ressurreição esteve o perdão.

Em toda ofensa somos agredidos com um mal que pode fazer nascer outro mal dentro de nós. Verdadeiramente esse é o mal que todos devemos superar. O perdão impede a vingança, acalma a sensibilidade e purifica a memória. Por parte de quem é perdoado, o perdão capacita-o para superar tanto a ofensa cometida como a corresponsabilidade pelo novo pecado que poderia surgir na pessoa ofendida.

A vontade de perdoar e a sua aceitação fazem surgir a verdade e a justiça, “pressupostos do perdão”[15]. Abre-se o caminho para a cicatrização das feridas e torna possível a reconciliação. Se quisermos construir uma sociedade verdadeiramente humana, um dos meios deve ser a recuperação do perdão na sua natureza original.

Notas: 

[1] Ex 21, 23-25; Lv 24, 18-20. Antes da vinda de Cristo, a lei do Talião já tinha sido superada pelo Direito Romano, que admitia a possibilidade de pactuar uma reparação pecuniária entre o ofendido e o ofensor, evitando assim a aplicação da lei do Talião, que só se aplicava em ausência de pacto. Posteriormente, o pacto converte-se em obrigatório, e a ofensa em princípio de obrigações, afastando-se ainda mais da lei do Talião. Cfr. D’Ors, Derecho Privado Romano, 10ª edição, Eunsa, Pamplona, 2010, § 378.

[2] Mt 18, 21-22.

[3] Mc 12, 29-31.

[4] Cfr. Mt 5, 43-44.

[5] São João Paulo II, Mensagem para a celebração da XXX Jornada Mundial da Paz, 1/01/1997, Oferece o perdão, recebe a paz.

[6] Mt 5, 3 e 11-12

[7] Catecismo da Igreja Católica, n. 2841.

[8] Mt 6, 9-13; Lc 11, 2-4. No Pai-Nosso de Mateus, Jesus Cristo, logo depois da recitação, como na altura das Bem-aventuranças, repete novamente a ideia do perdão (Mt 6, 14).

[9] “Devemos notar que Cristo, ao revelar o amor-misericórdia de Deus, exigia ao mesmo tempo dos homens que se deixassem guiar na própria vida pelo amor de pela misericórdia. Esta exigência faz parte da própria essência da mensagem messiânica e constitui a medula do ‘ethos’ evangélico”. São João Paulo II, Dives in misericordia, 30-XI-1980, n. 3.

[10] Lc 23, 34.

[11] Jo 13, 34.

[12] São João Paulo II, Mensagem para a celebração da XXX Jornada Mundial da Paz, 1/01/1997.

[13] Catecismo da Igreja Católica, n. 2843.

[14] São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 19, 7.

[15] São João Paulo II, Mensagem para a celebração da XXX Jornada Mundial da Paz, 1/01/1997. Ver também, para a relação perdão-justiça, São João Paulo II, Dives in misericordia, nn. 12 e 14. No n. 14 diz: “É óbvio que uma exigência tão grande do perdão não anula as exigências objetivas da justiça. A justiça retamente entendida constitui, por assim dizer, a finalidade do perdão”.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/o-perdao-em-sao-josemaria-escriva/#4homilia