sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

AS BOAS E AS MÁS COMPANHIAS

 

O texto de S. João Bosco é um belo exemplo de como a moral católica era pregada no seu tempo. Ensinamento claro que também encontrávamos nos conselhos de nossos avós e nos provérbios populares. 

Lembremos que ele trabalhava com jovens. 


São João Bosco




"
Há três espécies de companheiros: os bons, os maus e os que estão no meio termo. Com os bons podemos nos relacionar, que será muito frutuoso, com os medíocres somente quando houver necessidade, mas sem contrair familiaridade. quanto aos maus, devemos evitar sempre. 

Quem são esses terríveis maus companheiros? Todos que não se envergonham de ter conversas obscenas, murmuradores, mentirosos, blasfemadores; os que têm vida escandalosa e aconselham a desobedecer aos pais, a roubar, a transgredir os deveres. Todos esses são péssimos companheiros e ministros de Satanás, dos quais você deve fugir mais do que da peste e do demônio.

Quem andar com o virtuoso, será também virtuoso. Estando com os bons, eu garanto que alcançará o Paraíso. Pelo contrário, permanecendo com os perversos, sua alma corre grande perigo. 

Alguém poderá dizer: São tantos os maus, que seria preciso "sair deste mundo para poder evitá-los. É verdade que são numerosos e, é justamente por isso que o risco é grande. Lembre-se de que sempre terá a companhia de Jesus Cristo, da Bem-Aventurada Virgem Maria e do Santo Anjo da Guarda. Existirão companheiros melhores que esses? 

É possível encontrar bons amigos, juntos poderão frequentar os Sacramentos da Confissão e da Eucaristia. amigos que com palavras e exemplos, estimularão o cumprimento dos deveres sociais e religiosos. 

Desde que Davi, quando jovem, conheceu Jônatas, tornaram-se grandes amigos com proveito recíproco, porque um animava o outro nas práticas das virtudes."


São João Bosco: O Cristão Bem Formado, p. 22. Publicado originalmente por Alair Brandalise.


domingo, 23 de janeiro de 2022

O RESSENTIMENTO. PARTE 2

 


Meditar sobre quem nos feriu...

Como? 


Terminamos o post anterior afirmando que, para combatermos o ressentimento, deveríamos, antes de tudo, procurarmos um bom diretor espiritual. Suficiente? Não. John D. Nugent dá outras indicações. A primeira delas exige que saibamos ver quem nos ofendeu com outro olhar:

"Depois (de ouvir o conselheiro) meditaremos alguns momentos sobre a pessoa que nos feriu, não de maneira vingativa, mas de forma compassiva e compreensiva. Não há ninguém debaixo do céu que não tenha algo de bom, e se pensarmos no outro sem prevenções, descobriremos que esta regra também se aplica a ele. Lancemos mão de um pouco de fair-play: houve momentos no nosso passado em que nós mesmos machucamos os que nos cercavam ou fomos injustos com eles. Muito razoavelmente, perdoamo-nos essas nossas faltas, reconhecemos a nossa falibilidade humana, e aceitamos que houve épocas em que o nosso desempenho não era lá muito primoroso; agora, trata-se de aplicar exatamente a mesma tolerância à pessoa que nos ofendeu. Pode ser que ela tenha cometido um grande erro ao dizer ou fazer o que fez, mas com toda a certeza não detém o monopólio de todos os erros. E não preciso ser matemático para descobrir que o normal será perdoá-la sem reservas, e com o mesmo coração grande que perdoamos a nós mesmos. 

Mas ainda não basta. Ao perdoarmos os outros, facilmente nos sentimos mais elevados a grandes alturas morais; no entanto, esse é um pedestal ao qual nunca deveríamos subir, pois as nossas cabeças simplesmente não suportam as altitudes elevadas: ao perdoar, costumamos assumir ares de falsa dignidade, pensando em como somos generosos. também esta é uma atitude que será preciso superar: se pretendemos estar afinados  com a realidade, temos de chegar a perceber que, no fundo, não existe nada a ser perdoado. É bom pensar que todo o mundo, mesmo a pessoa mais desagradável, de ordinário faz o melhor que sabe. se soubesse mais, faria melhor. Dadas as limitações da condição humana, as circunstâncias da situação e as pressões internas que todos sofrem e que nós não conhecemos, em muitas ocasiões era impossível ou muito difícil que essa pessoa se comportasse de maneira diferente do que fez. Esqueça a história de "perdoar" com o ar superior do ofendido: não há nada a perdoar. Quem concede o perdão assume às vezes poses demasiado farisaicas. 

Tudo requer esforço

(...)

Em suma , livrar-se dos ressentimentos não é um acontecimento; é um processo, e requer esforço. E se queremos sentir-nos livres em nós mesmos e conhecer a paz de espírito, temos de levar a cabo esse esforço. Os ressentimentos não se vão embora sozinhos; simplesmente escondem-se durante algum tempo e acabam por explodir mais tarde, no pior momento possível. (...).

Quando expomos consistentemente e com sinceridade os nossos velhos ressentimentos ao nosso conselheiro espiritual, e lançamos fora os novos à medida que se apresentam, acaba por produzir-se em nós uma mudança muito profunda da atitude que temos diante dos outros. Libertamo-nos da nossa velha sensibilidade espinhenta e deixamos de procurar ocasiões para nos sentirmos insultados. Pomos fim às nossas infantilidades absurdas - como por exemplo exigir que os outros nos peçam desculpas ou insistir nalguma demonstração tola de dignidade -, e uma tolerância ampla, que nos custou trabalho desenvolver, acaba por tornar-se quase instintiva, de modo que chegamos a desenvolver uma genuína compreensão das limitações alheias". 


Excerto de "Nervos, Preocupações e Depressão", John D. Nugent, São Paulo: Quadrante, 1992, p. 90-92.


sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

O PROBLEMA DO RESSENTIMENTO

 Valter de Oliveira


Há pessoas que facilmente esquecem o mal que lhes fizeram. Outras, pelo contrário, não esquecem. Algumas até dizem que perdoam, mas não esquecem. Fala-se que há problemas que herdamos da infância. Ou que nosso temperamento influi. Acredito. De qualquer modo, não é desculpa. Todos podemos educar o temperamento. Pode ser difícil. Nunca é impossível. 

Outro dia, lendo um livro de espiritualidade de John D. Nugent (1) encontrei suas considerações sobre o assunto. Ele fala de "um verme (...) que nos costuma roer por dentro e roubar-nos como nenhum outro a paz do espírito: o dos ressentimentos" (...) E continua:

"A palavra ressentimento significa "voltar a sentir". Trata-se de uma espécie de fita de vídeo particular que guardamos na nossa cabeça e que passamos e voltamos a passar até sabermos de cor e salteado cada linha e cada cena. Se o vídeo registrasse dias felizes passados ao sol, é bem verdade que não haveria um modo melhor de usar a memória. Via de regra, porém, não se trata desse tipo de filmes.

O vídeo a que se costuma chamar ressentimento é justamente o que registra as cenas em que fomos machucados, humilhados, confundidos ou tratados de maneira injusta por alguma pessoa ou situação do passado. Costuma ser tecnicamente de primeira qualidade: cada cena e cada palavra têm o brilho de um diamante, a trilha sonora é quadrafônica, e a dor e a humilhação que o incidente nos causou voltam uma e outra vez com toda a força. Pode ter sido filmado ao ar livre ou no estúdio (ou seja, os nossos ressentimentos podem ser reais ou imaginários), mas pouco importa. Seja como for, machuca-nos profundamente, suscita profunda ira no nosso íntimo e leva-nos a jurar vingança: mesmo que levemos um milhão de anos, chegará o momento de ajustarmos todas as contas de de acertarmos todas as dívidas...(2)".

Nugent pergunta: Como superar o ressentimento?

Poderíamos dizer que nossas más paixões devem ser combatidas com racionalidade. Acredito que possa ajudar. Entretanto ele diz: 

"Não é possível superar os ressentimentos mediante o raciocínio; aliás, nós mesmos sabemos muito bem que isso não passaria de um exercício sem sentido. As pessoas de quem juramos vingar-nos estão polidamente cuidando das suas próprias vidas, sem a menor consciência de se encontrarem incluídas na nossa "lista negra", e  o mais provável é que não estejam sequer pensando em nós. E nós, pobres mortais tolos, dedicamo-nos a conceder-lhes alojamento gratuito nas nossas cabeças, a dar-lhes a oportunidade de nos ferirem uma e outra vez, e ainda por cima pagamos a filmagem... Sabemos perfeitamente que não alcançaremos a paz de espírito enquanto não nos livrarmos da nossa coleção de home vídeos. Mas como? Quem quererá comprá-la?"

Mas, por que, só a racionalidade não resolve? poderíamos perguntar.

O autor responde:

"Mesmo tendo encaixado todas as razões certas no lugar certo, podemos perfeitamente fazer a coisa de maneira errada. Podemos, por exemplo, decidir friamente "deixar tudo isso para trás", desligar o televisor e fingir que nada aconteceu. Mas a dor emocional não se deixa prender assim: tem necessidade de exteriorizar-se. Se tentarmos emparedá-la, começará a arder e acabará por explodir; há mesmo alguns psiquiatras que afirmam que a depressão não é mais do que uma ira dirigida para dentro por não ter sido expressa no momento em que devia. Ou então podemos sentir-nos magoados, mas decidir imediatamente esquecer , e depois de alguns dias descobrir um fantasma inquieto a ronda pela nossa cabeça sem que saibamos o que é. 

Qual a solução?

Vejamos hoje o primeiro ponto. Está ligado a uma sadia espiritualidade.

"A verdadeira solução é dirigirmo-nos rapidamente ao conselheiro espiritual ou confidente (3) que tenhamos escolhido para contar-lhe o que aconteceu. Não deixamos nada de lado; relatamos o incidente narrando o que sentimos na ocasião e o que sentimos agora. Damos expressão às nossas emoções, à raiva, à vergonha e à humilhação que nos dominaram. A objetividade da pessoa que nos ouve - e a nossa própria humildade, ao revelarmos a nossa dor e a nossa fraqueza - extraem quase todo o veneno aos acontecimentos. Desta forma, ao invés de permanecermos sentados e de tentarmos resolver o assunto por nossa própria conta, tomamos a decisão de agir, o que por si só trará consigo a sua recompensa. E assim faremos a experiência de que um sem-número de coisas sobre as quais nos parecia difícil falar se tornam triviais quando conseguimos exteriorizá-las" 

Os outros pontos veremos no próximo post. Amanhã ou depois. De momento já temos bons pontos para refletirmos. 


Notas:
 

1. John D. Nugent. "Nervos, Preocupações e Depressão". trad. Henrique Elfes. São Paulo: Quadrante, 1992. p. 88-90.  

2. O livro foi escrito há 30 anos. Imagine o que ele diria dos ressentimentos da geração mi-mi-mi que fica melindrada por qualquer coisa, que exagera brutalmente tudo o que lhe acontece e que adora cultivar a mágoa no pântano da internet...

3. É preciso saber escolher o diretor espiritual e, principalmente, o confidente. Temos que saber escolher pessoas criteriosas, prudentes, discretas, que realmente possam nos ajudar. Bem sabemos que, infelizmente, há quem tenha como confidentes pessoas que também se afogam com seus problemas.  



domingo, 9 de janeiro de 2022

CRISTO E O COPO D"ÁGUA. Valor das coisas simples

 Francisco Faus


    "É muito esclarecedor o que Jesus diz sobre o grande valor que pode ter um simples copo de água: "Todo aquele que der ainda que seja somente um copo de água fresca a um destes pequeninos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo, não perderá a sua recompensa (Mt 10, 42). Quer dizer que tudo o que for bom e reto, tudo o que não for egoísta, por pequeno que seja, se é vivido com amor (a Deus e aos irmãos) passa a ser um bem eterno, que a morte não poderá levar. Jesus frisa especialmente as boas obras, as obras de misericórdia feitas em favor dos necessitados: "Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber (...) . Todas as vezes que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes" . É bonito perceber que, vivendo assim, agindo retamente, com coração grande, podemos tornar eterno, pelo amor, tudo o que fazemos.

    De fato, se vivêssemos deste modo, que medo poderíamos ter? É inevitável, certamente, o medo psicológico instintivo (pura reação emocional), que acomete diante de um perigo, um assalto, uma doença grave, uma incerteza... Mas o cristão pode superar esse temor graças à virtude da esperança, coisa que o descrente não pode. Pode superar isso, porque a esperança cristã (virtude teologal) nos garante, com absoluta certeza, duas coisas:

        - Primeira, que Deus é tão bom que faz concorrer tudo para o bem daqueles que o amam (Rom 8,            28), absolutamente tudo. 

       - Segunda, que, se lhe formos fiéis, o sorriso de Cristo estará nos aguardando, por assim dizer, na            porta da casa do Pai, para nos oferecer uma felicidade eterna, um Amor sem fundo e sem fim. "Eu         vou preparar-vos um lugar (...). Quero que onde estou, estejais vós comigo (...). Vinde, benditos de         meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo" (cf. Jo 14, 2-4;         Jo 17, 24; Mt 25, 34).

Excerto de A Ressurreição e a Esperança Cristã / Francisco Faus - Sãp Paulo: Quadrante, 2015 - (Temas Cristãos; 162), p. 33,34.