Mari järvi ao noivo: - "TEET: TENHO QUE DIZER UMA COISA" ...
Pouco depois terminei os estudos e Teet e eu
decidimos casar-nos. Porém antes devia resolver uma das questões que mais me
preocupavam: dizer-lhe que era católica. Não sabia como fazê-lo. Pobre Teet! Eu
imaginava a sua estranheza, a confusão e a situação incômoda na qual o poria...
Estive duvidando durante muito tempo, até que em 1980, quando estávamos a ponto
de casar-nos me decidi.
- Teet: tenho que
dizer uma coisa que você não sabe.
- Pode dizer …
- É que... sou
católica há três anos.
Olhou-me
desconcertado. Depois, o seu rosto se iluminou e, ao final, a surpreendida fui
eu.
- Mas como? Você? Eu também sou católico!
E contou a sua
história. Tinha-se batizado fazia algum tempo em segredo, como eu; e o padre
Mikelis, temendo sempre que entre os conversos houvesse um delator ou um espião
do governo, tinha posto os meios para que não coincidíssemos em estar presentes em nenhuma
cerimônia religiosa, o mesmo que com o resto dos novos batizados. Isto, que
parece extraído de um romance de espionagem, era o normal na época, porque o
medo, como recorda um ditado popular, tem olhos muito grandes.
Casamo-nos na
catedral, discretamente, no dia anterior à nossa união civil. Eu não sabia o
que vestir. Tinha o clássico vestido branco de casamento –, mas só podia usar
esse na celebração “oficial”, com os parentes e conhecidos. Eu me arrumei
elegantemente, mas sem chamar a atenção: uma saia de veludo preta, muito
bonita, e, combinando, uma blusa de seda azul, da qual gostava muito.
Estávamos sete
pessoas: meu pai, minha mãe, a mãe de Teet, a esposa de um irmão de Teet,
Elisabeth – que eu quis que fosse minha madrinha de casamento – o padre
Mikelis, Teet e eu. Íamos com roupa do dia a dia e entramos e saímos do templo
separadamente, como se fôssemos passeantes ou curiosos. No dia seguinte, fomos
ao cartório felizes e vestidos de gala, onde nos esperavam os familiares e
amigos. Houve música, flores, brindes, aplausos…
Vista de Tallin |
Um ano depois, em
1981, nasceu minha filha Maria, a mais velha. Em 85 veio Mikhel, em 88, Madis
e, muitos anos depois, em 1994, Martin.
Como estávamos
isolados e o padre Mikelis era muito mais velho, conservávamos costumes que
tinham desaparecido em outros países católicos. Por exemplo, quando uma mulher
dava à luz não costumava comungar até que passassem quarenta dias. Talvez fosse
uma antiga tradição letã, não sei; o caso é que fizemos assim com meus
primeiros filhos. Uma vez que passavam os quarenta dias depois do parto, ia à
catedral, onde se celebrava uma cerimônia muito bonita, que terminava com a
bênção do recém-nascido.
A morte do padre Mikelis
Em 1987, faleceu o
padre Mikelis, depois de ter passado trinta e dois anos em nosso país
trabalhando com grande zelo, completamente só... Senti muito a sua morte e
recordo muito bem o dia de seu funeral, porque vieram muitos sacerdotes de
Letônia, de cujo bispo dependia. Eu nunca tinha visto, até então, tantos
sacerdotes juntos.
Durante os últimos
anos de sua vida o padre Mikelis teve a alegria de ver como se multiplicavam as
conversões de estônios. E chegavam-nos algumas notícias das viagens do Papa
pela Polônia e outros países do mundo. O Papa! Eu pensava que nunca chegaria a
conhecê-lo, até que em 1989, chegou-nos uma notícia incrível: João Paulo II ia
visitar a Finlândia.
João Paulo II em Helsinki
Quando ficamos
sabendo, começamos a fazer gestões para viajar a Helsinki. Teet solicitou três
passaportes: dois para nós e outro para um dos meninos; e os conseguimos depois
de muitíssimas dificuldades. Devem ter pensado que, como o resto de nossos
filhos ficavam em Tallin, não éramos suspeitos de querer abandonar o país.
Fomos um pequeno
grupo de estônios. Alojamo-nos em Helsinki, ao lado da catedral de Santo
Enrique, na residência das ursulinas. Alguns tinham levado a bandeira da
Estônia, branca, azul e negra, que estava proibida, e fomos receber o Papa
agitando-a.
João Paulo II se
emocionou ao ver-nos, porque conhecia bem o mundo no qual vivíamos. Foi
especialmente afetuoso com as crianças: deu-lhes um beijo e acariciou- lhes a
cabeça, com um rosto entre carinhoso e divertido. Foi então quando lhe dei a
mão, que apertou com força entre as suas. Aquilo marcou um termo divisório em
minha vida, um antes e um depois; e, ao regressar a Estônia, tinha o firme
pressentimento de que estávamos mais perto do que nunca da liberdade.
Cada vez que me
lembro parece um sonho... E ocorreu de forma tão inesperada! A Revolução
Cantada, a independência depois de 51 anos sob o controle da URSS... No dia de
Natal daquele ano a bandeira vermelha sobre o Kremlin deixou de ser agitada e,
menos de dois anos depois, em 10 de setembro de 1993, o Papa veio à Estônia.
O SENHOR TINHA PREPARADA UMA NOVA SURPRESA PARA MIM: O OPUS DEI
Dava graças sem
cessar a Deus por estas coisas, sem suspeitar que o Senhor tinha preparada uma
nova surpresa para mim: o Opus Dei. Sabia muito pouco da Obra, que havia
começado em Estônia em 1992, até que, em 2004, propuseram-me participar num
curso de retiro. Ali fiz uma nova descoberta: a santificação do trabalho. Era o
que buscava desde que me batizei: encontrar a Deus por meio da música e
convertê-la em oração. E na atualidade sou uma das primeiras mulheres casadas
estônias do Opus Dei.
Penso na Igreja na
Estônia, que foi crescendo durante estes últimos anos de forma assombrosa.
Quando me batizei era a sexta católica; agora já há mais de seis mil católicos
estônios – muitos deles regressaram do estrangeiro, onde viviam – e o número de
batismos aumenta constantemente.
Em 2011 tive a alegria de ver como meu tio Neeme
dirigia em Roma, na presença de Bento XVI, a Orquestra e o Coro da Academia de
Santa Cecília, com obras de Beethoven,
Haydn e Arvo Pärt, um compositor estônio contemporâneo. Em minha família
costumamos dizer que levamos a música nas veias, porque na atualidade, meu
primo Paavo, filho de meu tio Neve, dirige a orquestra de Paris; e todos os
meus filhos são músicos, assim como os seus primos: Manos toca violoncelo, Mina
e Martin, violino, Mihkel, piano, Madis, viola. Uns moram na Estônia e outros
no estrangeiro.
Costumo passar longas temporadas com Teet
trabalhando na Finlândia, onde me dedico à minha especialidade: música de piano
de acompanhamento. Durante os verões reunimos toda a família na Estônia e
oferecemos um festival de música que se tornou famoso no país: o Jarvi Summer Festival. Tocamos,
nada mais e nada menos, que quinze Jarvis.
Noutro dia me fizeram uma pergunta divertida: “Se
houvesse uma catástrofe universal e somente pudesse salvar uma peça musical, qual
escolheria?” Eu ri e não soube o que responder. Porém depois fiquei pensando
que se tivesse de escolher uma peça de música e somente uma, escolheria o
segundo movimento do concerto para piano número 2 de Shostakóvich, em fá maior. Sem
dúvida. Por que? Não saberia dizê-lo. Também não saberia explicar porque Deus
me concedeu a graça da fé, de repente, naquela Noite de Natal de 1976. Foi um
dom, um mistério, um gozoso mistério.
* Testemunho de Mari Järvi,
publicado no livro “El baile tras la tormenta”.
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