quarta-feira, 24 de junho de 2020

UM CASAL EM UM PAIS SOVIÉTICO. A PROVIDÊNCIA DE DEUS



Mari järvi ao noivo:  - "TEET: TENHO QUE DIZER UMA COISA" ...


Pouco depois terminei os estudos e Teet e eu decidimos casar-nos. Porém antes devia resolver uma das questões que mais me preocupavam: dizer-lhe que era católica. Não sabia como fazê-lo. Pobre Teet! Eu imaginava a sua estranheza, a confusão e a situação incômoda na qual o poria... Estive duvidando durante muito tempo, até que em 1980, quando estávamos a ponto de casar-nos me decidi.
- Teet: tenho que dizer uma coisa que você não sabe.
- Pode dizer …
- É que... sou católica há três anos.
Olhou-me desconcertado. Depois, o seu rosto se iluminou e, ao final, a surpreendida fui eu.
- Mas como? Você? Eu também sou católico!
E contou a sua história. Tinha-se batizado fazia algum tempo em segredo, como eu; e o padre Mikelis, temendo sempre que entre os conversos houvesse um delator ou um espião do governo, tinha posto os meios para que não coincidíssemos em estar presentes em nenhuma cerimônia religiosa, o mesmo que com o resto dos novos batizados. Isto, que parece extraído de um romance de espionagem, era o normal na época, porque o medo, como recorda um ditado popular, tem olhos muito grandes.
Casamo-nos na catedral, discretamente, no dia anterior à nossa união civil. Eu não sabia o que vestir. Tinha o clássico vestido branco de casamento –, mas só podia usar esse na celebração “oficial”, com os parentes e conhecidos. Eu me arrumei elegantemente, mas sem chamar a atenção: uma saia de veludo preta, muito bonita, e, combinando, uma blusa de seda azul, da qual gostava muito.
Estávamos sete pessoas: meu pai, minha mãe, a mãe de Teet, a esposa de um irmão de Teet, Elisabeth – que eu quis que fosse minha madrinha de casamento – o padre Mikelis, Teet e eu. Íamos com roupa do dia a dia e entramos e saímos do templo separadamente, como se fôssemos passeantes ou curiosos. No dia seguinte, fomos ao cartório felizes e vestidos de gala, onde nos esperavam os familiares e amigos. Houve música, flores, brindes, aplausos…
Vista de Tallin

Um ano depois, em 1981, nasceu minha filha Maria, a mais velha. Em 85 veio Mikhel, em 88, Madis e, muitos anos depois, em 1994, Martin.
Como estávamos isolados e o padre Mikelis era muito mais velho, conservávamos costumes que tinham desaparecido em outros países católicos. Por exemplo, quando uma mulher dava à luz não costumava comungar até que passassem quarenta dias. Talvez fosse uma antiga tradição letã, não sei; o caso é que fizemos assim com meus primeiros filhos. Uma vez que passavam os quarenta dias depois do parto, ia à catedral, onde se celebrava uma cerimônia muito bonita, que terminava com a bênção do recém-nascido.
A morte do padre Mikelis
Em 1987, faleceu o padre Mikelis, depois de ter passado trinta e dois anos em nosso país trabalhando com grande zelo, completamente só... Senti muito a sua morte e recordo muito bem o dia de seu funeral, porque vieram muitos sacerdotes de Letônia, de cujo bispo dependia. Eu nunca tinha visto, até então, tantos sacerdotes juntos.
Durante os últimos anos de sua vida o padre Mikelis teve a alegria de ver como se multiplicavam as conversões de estônios. E chegavam-nos algumas notícias das viagens do Papa pela Polônia e outros países do mundo. O Papa! Eu pensava que nunca chegaria a conhecê-lo, até que em 1989, chegou-nos uma notícia incrível: João Paulo II ia visitar a Finlândia.
João Paulo II em Helsinki
Quando ficamos sabendo, começamos a fazer gestões para viajar a Helsinki. Teet solicitou três passaportes: dois para nós e outro para um dos meninos; e os conseguimos depois de muitíssimas dificuldades. Devem ter pensado que, como o resto de nossos filhos ficavam em Tallin, não éramos suspeitos de querer abandonar o país.
Fomos um pequeno grupo de estônios. Alojamo-nos em Helsinki, ao lado da catedral de Santo Enrique, na residência das ursulinas. Alguns tinham levado a bandeira da Estônia, branca, azul e negra, que estava proibida, e fomos receber o Papa agitando-a.
João Paulo II se emocionou ao ver-nos, porque conhecia bem o mundo no qual vivíamos. Foi especialmente afetuoso com as crianças: deu-lhes um beijo e acariciou- lhes a cabeça, com um rosto entre carinhoso e divertido. Foi então quando lhe dei a mão, que apertou com força entre as suas. Aquilo marcou um termo divisório em minha vida, um antes e um depois; e, ao regressar a Estônia, tinha o firme pressentimento de que estávamos mais perto do que nunca da liberdade.
Cada vez que me lembro parece um sonho... E ocorreu de forma tão inesperada! A Revolução Cantada, a independência depois de 51 anos sob o controle da URSS... No dia de Natal daquele ano a bandeira vermelha sobre o Kremlin deixou de ser agitada e, menos de dois anos depois, em 10 de setembro de 1993, o Papa veio à Estônia.
O SENHOR TINHA PREPARADA UMA NOVA SURPRESA PARA MIM: O OPUS DEI
Dava graças sem cessar a Deus por estas coisas, sem suspeitar que o Senhor tinha preparada uma nova surpresa para mim: o Opus Dei. Sabia muito pouco da Obra, que havia começado em Estônia em 1992, até que, em 2004, propuseram-me participar num curso de retiro. Ali fiz uma nova descoberta: a santificação do trabalho. Era o que buscava desde que me batizei: encontrar a Deus por meio da música e convertê-la em oração. E na atualidade sou uma das primeiras mulheres casadas estônias do Opus Dei.
Penso na Igreja na Estônia, que foi crescendo durante estes últimos anos de forma assombrosa. Quando me batizei era a sexta católica; agora já há mais de seis mil católicos estônios – muitos deles regressaram do estrangeiro, onde viviam – e o número de batismos aumenta constantemente.
Em 2011 tive a alegria de ver como meu tio Neeme dirigia em Roma, na presença de Bento XVI, a Orquestra e o Coro da Academia de Santa Cecília, com obras de Beethoven, Haydn e Arvo Pärt, um compositor estônio contemporâneo. Em minha família costumamos dizer que levamos a música nas veias, porque na atualidade, meu primo Paavo, filho de meu tio Neve, dirige a orquestra de Paris; e todos os meus filhos são músicos, assim como os seus primos: Manos toca violoncelo, Mina e Martin, violino, Mihkel, piano, Madis, viola. Uns moram na Estônia e outros no estrangeiro.

Costumo passar longas temporadas com Teet trabalhando na Finlândia, onde me dedico à minha especialidade: música de piano de acompanhamento. Durante os verões reunimos toda a família na Estônia e oferecemos um festival de música que se tornou famoso no país: o Jarvi Summer Festival. Tocamos, nada mais e nada menos, que quinze Jarvis.

Noutro dia me fizeram uma pergunta divertida: “Se houvesse uma catástrofe universal e somente pudesse salvar uma peça musical, qual escolheria?” Eu ri e não soube o que responder. Porém depois fiquei pensando que se tivesse de escolher uma peça de música e somente uma, escolheria o segundo movimento do concerto para piano número 2 de Shostakóvich, em fá maior. Sem dúvida. Por que? Não saberia dizê-lo. Também não saberia explicar porque Deus me concedeu a graça da fé, de repente, naquela Noite de Natal de 1976. Foi um dom, um mistério, um gozoso mistério.
* Testemunho de Mari Järvi, publicado no livro “El baile tras la tormenta”.

FONTE: https://www.opusdei.org/pt-br/article/mari-teet-uma-historia-de-amor/

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