sexta-feira, 29 de maio de 2020

S. JOSEMARÍA ESCRIVÁ E O DIREITO À INTIMIDADE


Introdução. (Claravalcister)


A maldade humana


" Raça de víboras, maus como sois, como poder dizer coisas boas? Porque a boca fala do que lhe transborda do coração.
O homem de bem tira boas coisas do seu tesouro. O mau, porém, tira coisas más de seu mau tesouro". (Mt. 12; 34,35). 

Essas palavras de Nosso Senhor contra os fariseus - que O haviam visto curar um possesso cego e mudo - podem nos parecer muito duras. Alguns de nós esquecemos certas passagens do Evangelho e fixamo-nos no Jesus manso e humilde de coração. Esquecemos que Ele é também o Leão de Judá e que soube ser contundente em várias ocasiões. No episódio acima fizera um grande milagre e os fariseus, em vez de se ajoelharem diante da maravilha do milagre, disseram que Jesus havia expulsado o demônio pelo poder de Belzebu. Eram almas duras, más, insensíveis à graça. Homens que não pejavam em mentir torpemente, de usar palavras cheias de amargor e veneno. Daí Cristo também ter dito: "Eu vos digo: no dia do juízo os homens prestarão contas de toda palavra vã que tiverem proferido. É por tuas palavras que serás justificado ou condenado" (Mt.36-37).

Na ocasião houve quem fosse aos pais do jovem indagar se era verdade que ele era cego desde o nascimento. De nada adiantou a resposta que ouviram. Não queriam acreditar. Voltaram a interrogar o homem curado dizendo: "Nós sabemos que esse homem (Jesus) é um pecador"... 

Foi por tudo isso que Cristo nos diz que eram homens maus. Foi por isso também que nos advertiu sobre o perigo do uso impensado ou maldoso da palavra. Algo que muitos esquecem nesse mundo em que falamos de tudo e de todos. 

Vamos aprofundar o assunto. S. Josemaría Escrivá comenta o episódio dando-nos uma grande lição sobre ele. :

"(...) O relato (...) mostra-nos um modelo de atentado terrível contra o direito básico de sermos tratados com respeito, um direito que a todos nos pertence por natureza.


O direito à intimidade e os deveres de justiça


"O tema continua a ser atual. Não custaria nenhum trabalho apontar em nossa época dessa curiosidade agressiva, que leva a indagar morbidamente da vida privada dos outros. Um mínimo senso de justiça exige que, mesmo na investigação de um presumível delito, se proceda com cautela e moderação, sem tomar por certo o que é apenas uma possibilidade. Compreende-se até que ponto se deva qualificar como perversão a curiosidade malsã em desentranhar o que não só não é um delito, como pode até ser uma ação honrosa.

"Perante os mercadores de suspeita , que dão a impressão de organizarem um tráfico de intimidade, é preciso defender a dignidade de cada pessoa, seu direito ao silêncio. Costuma estar de acordo nesta defesa todos os homens honrados, sejam ou não cristãos, porque está em jogo um valor comum: a legítima decisão de cada qual ser como é, de não se exibir, de conservar em justa e púdica reserva as suas alegrias,as suas penas e dores de família; e sobretudo de praticar o bem sem espetáculo, de ajudar os necessitados por puro amor, sem obrigação de publicar essas tarefas a serviço dos outros e, muito menos, de por a descoberto a intimidade da alma perante o olhar indiscreto e oblíquo de gente que nada sabe nem deseja saber da vida interior, a não ser para zombar impiamente".

"Mas como é difícil vermo-nos livres dessa agressividade xereta! Multiplicaram-se os métodos para não deixar o homem em paz. Refiro-me aos meios técnicos, como também a sistemas de argumentar aceitos hoje em dia, contra os quais é difícil lutar, se se deseja conservar a reputação.  Partem muitas vezes do princípio de que todo mundo se comporta mal; e com base nessa forma errônea de pensar, surge inevitavelmente o meaculpismo, a auto-crítica. Se uma pessoa não joga sobre si uma tonelada de lama, deduzem que, além de ser completamente má, é hipócrita e arrogante.

"Noutras ocasiões, procede-se de maneira diferente: aquele que fala ou escreve, lançando mão da calúnia, está disposto a admitir que você é um indivíduo íntegro,mas que talvez os outros não pensem o mesmo, e podem portanto publicar que você é um ladrão; como demonstra que não o é? Ou então: você afirma incansavelmente que a sua conduta é limpa, nobre, reta. Importar-se-ia de considerá-la de novo, para verificar se por acaso não é suja, ignóbil e retorcida?"


Falsa transparência e "direitos" do público



"Não são exemplos imaginários. Estou persuadido de que qualquer pessoa ou qualquer instituição de certo nome poderia aumentar a casuística. Criou-se em alguns setores a falsa mentalidade de que o público, o povo, ou como queiram chamá-lo, tem o direito de conhecer e interpretar os pormenores mais íntimos da existência dos outros".


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Nota:  Os títulos, subtítulos e a frase grifada são do site claravalcister.blogspot.com

Fonte: S. Josemaría Escrivá. É Cristo que passa. homilias. São Paulo, Quadrante, 1973, partes dos pontos 69-70.







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