sábado, 9 de maio de 2020

ATITUDES ÉTICAS FUNDAMENTAIS 2



Dietrich Von Hildebrand


"O homem desrespeitoso, atrevido, é incapaz de toda e qualquer dedicação e subordinação. Ora se torna escravo da soberba, daquela contração do eu que o encerra em si mesmo e o mergulha em cegueira, levando-o a perguntar constantemente: "Terá subido o meu prestígio, terá aumentado o meu poder>"; ora se faz escravo da avidez com que reduz o mundo inteiro a uma mera ocasião de prazer.Por isso não consegue criar no seu íntimo aquele silêncio, aquela atitude receptiva que permite compreender o que há de peculiar e valioso em cada situação e em cada homem. Trata tudo com a impertinência e a indelicadeza de quem só repara em si mesmo e só escuta a si mesmo, sem cuidar do mais que existe. (...).

Duas modalidades de desrespeito

1. A insolência

É "a falta de respeito que decorre da soberba. O homem deste tipo, com uma sobranceria  petulante, abeira-se de tudo sem se dar ao incômodo de entender a fundo coisa alguma. É o sabichão enfadonho que, sem mais, tudo julga descobrir e conhecer de antemão. É o homem para quem nada pode haver de superior a si mesmo, nada que ultrapasse o seu horizonte ou encerre algum segredo (...) É o homem ignorante, obtuso, do gênero daquele Wagner, fâmulo do Fausto, todo satisfeito "por ver quanto progrediu".

Um homem destes não sabe nada da amplidão e da profundeza do mundo, do sentido misterioso e da plenitude incomensurável do belo e do bom, de que nos falam cada raio de sol e cada planta, e que se desvendam no sorriso inocente de uma criança e nas lágrimas de arrependimento do pecador. Para o seu olhar estreito, arrogante, o mundo achatou-se, tornou-se unidimensional, insípido, insignificante. Está cego para os valores e para o mundo. Passa por eles ignorando-os. 

2. A avidez embotada

O ávido embotado "é igualmente cego para os valores. Só lhe interessa saber se uma coisa lhe é ou não agradável, se precisa dela. Em tudo se limita a ver o aspecto que se prende com o seu interesse ocasional, imediato. Tudo quanto há se cifra para ele num meio de atingir os seus fins egoístas. Gira eternamente no círculo da sua estreiteza, sem dele sair jamais. Daí o não conhecer também a felicidade profunda e verdadeira que só brota da dedicação a valores puros, do contato com aquilo que em si é belo e bom.

Não se dirige com insolência a tudo o que existe, como o primeiro tipo, mas é como ele falto de abertura e de distância; porque, como apenas procura o que num dado momento lhe é útil e necessário, tudo passa por alto. Não logra jamais o silêncio interior, não consegue abrir-se, não se deixa presentear. Também ele vive num eu espasmodicamente contraído. O seu olhar "resvala em tudo estupidamente", sem penetrar no verdadeiro sentido e valor de qualquer assunto. É também "míope", e põe-se tão "perto" de tudo, que lhe escapa o conhecimento da verdadeira essência das coisas; deste modo não concede a nada do que existe o "espaço" necessário para que se desenvolva na sua peculiaridade e plenitude, e o mundo fecha-lhe por seu turno a sua amplitude, profundeza e altura. 


Nota: Os subtítulos em negrito são do blog claravalcister.

Fonte: Von Hildebrand, Dietrich. Atitudes éticas fundamentais, São Paulo - Quadrante, 1998, p. 6-8.


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