Discurso
do Papa Pio XII ao Congresso Internacional da Federação Mundial da Juventude
Feminina Católica
O tema do Congresso
Sejam bem-vindas
filhas amadas da Federação Mundial da Juventude Feminina Católica. Eu vos saúdo
com o mesmo carinho que recebi, há cinco anos em Castel Gandolfo, por ocasião
do grande encontro internacional das Mulheres Católicas.
Os
estímulos e os sábios conselhos que foram proporcionados a vocês neste
Congresso, assim como as palavras que então dirigimos não foram certamente
infrutíferos. Sabemos os esforços que neste intervalo vocês têm desenvolvido
para atingir os objetivos precisos dos quais vocês tinham uma visão clara. Isso
também prova o relatório impresso durante a preparação deste Congresso que
fizemos lá: “La Foi des Jeunes – Problème de notre temps”. Suas 32
páginas têm o peso de um grosso volume, e Nós temos analisado com muito
cuidado, porque resume e sintetiza os ensinamentos de numerosas questões sobre
a situação da fé na juventude católica da Europa, cujas conclusões são
altamente instrutivas.
Em muitas das
questões levantadas lá, Nós mesmos tratamos em nossa alocução de 11 de setembro
de 1947 (1), que vocês assistiram, e em muitos outros discursos antes e depois.
Hoje, Nós queremos aproveitar a oportunidade proporcionada por este encontro
com vocês para dizer o que pensamos sobre um fenômeno que ocorre em todos os
lugares, na vida de fé dos católicos e que afeta um pouco a todos, mas de uma
forma particular afeta os jovens e seus educadores, como quando vocês dizem (p.
10): “Confundindo o cristianismo com um código de preceitos e proibições, os
jovens têm a impressão de afogar-se nesse clima de “moral imperativa” e não é
uma pequena minoria que deixa de lado esse “fardo constrangedor.”
Uma
nova concepção da lei moral
Podemos chamar esse
fenômeno de “uma nova concepção da vida moral”, uma vez que é uma tendência que
se manifesta no campo da moralidade. No entanto os princípios da moralidade se
baseiam nas verdades da fé e vocês sabem bem que é importância capital para a
conservação e o crescimento da fé que a consciência da jovem se forme o mais
cedo possível e se desenvolva segundo as normas morais justas e saudáveis.
Assim, a concepção de “nova moralidade cristã” toca muito diretamente o
problema da fé dos jovens.
Já falamos da “nova
moral” em nossa mensagem de rádio em 23 de março passado, para os educadores
cristãos. O que estamos discutindo hoje não é apenas uma continuação do que
dissemos então; queremos descobrir as profundas origens dessa concepção.
Pode-se qualificá-la de “existencialismo ético” de “realidade ética” do
“individualismo ético”, entendidas em sentido estrito que vamos explicar e tal
como se encontram no que em outros lugares se tem chamado de “Situationsethik”
“moral de situação”.
A
“moral de situação”, seu caráter distintivo
A marca desta moral
é que ela não é de forma alguma baseada em leis universais de moral, por
exemplo, os dez mandamentos, mas em condições ou circunstâncias reais e
concretas nas quais se deve agir e de acordo com as quais a consciência
individual vai julgar e escolher. Este estado de coisas é ação humana. É por
isso que a decisão de consciência, afirmam os defensores desta ética, não pode
ser comandada pelas idéias, os princípios e as leis universais.
A fé cristã baseia
as suas exigências morais no conhecimento da verdade “essencial” e de suas
relações; assim faz São Paulo na Epístola aos Romanos (1, 19-21) para a
religião como tal, seja esta cristã ou anterior ao Cristianismo: a partir da
criação, diz o Apóstolo, o homem percebe e sente de alguma forma o Criador, o
seu eterno poder e divindade, e que, com tais provas de que ele sabe e sente-se
compelido a reconhecer Deus e dar algum culto, de modo que desprezar este culto
ou depravá-lo na idolatria é gravemente culpável para todos e em todos os
tempos.
Isto não é, de modo
algum, o que afirma a ética sobre a qual Nós falamos. Ela não nega os conceitos
e princípios morais gerais (embora às vezes chegue muito perto de semelhante
negação), mas se move do centro para a extrema periferia. Pode acontecer que a
decisão de consciência muitas vezes esteja de acordo com ela. Mas não são, por
assim dizer, uma coleção de premissas a partir do qual a consciência tira as
conseqüências lógicas, no caso particular, o caso “de uma vez”. De jeito
nenhum! No centro se encontra o bem, que é necessário realizar ou manter o seu
valor real e individual, por exemplo, no domínio da fé, a relação pessoal que
nos une a Deus. Se a consciência formada seriamente diz que o abandono da fé
católica e a adesão a outra confissão leva para mais perto de Deus, esse passo
seria “justificado”, quando é geralmente descrito como “a deserção da fé”. Ou,
no campo da moral, a doação de si mesmo, corporal e espiritual, entre os
jovens. Aqui a consciência seriamente formada estabeleceria que devido a
sincera inclinação mútua são permitidas intimidades do corpo e dos sentidos, e
estas, embora permitidas apenas entre cônjuges, poderiam ser manifestações
permitidas. (A consciência aberta de hoje estabeleceria assim porque deduz da
hierarquia de valores este princípio, segundo o qual os valores da
personalidade, sendo os mais altos, poderiam utilizar os valores inferiores do
corpo e dos sentidos ou descartá-los, como sugerido por cada situação). Tem
sido dito com insistência que precisamente segundo este princípio, em matéria
de direitos dos cônjuges seria necessário, em caso de conflito, deixar à
consciência séria e reta dos cônjuges, de acordo com as exigências das
situações concretas, o poder de tornar absolutamente impossível a realização
dos valores biológicos a favor dos valores da personalidade.
O parecer de uma
consciência desta natureza, por muito contrário que pareça à primeira vista aos
preceitos divinos, valeria, no entanto, diante de Deus, porque, dizem eles, a
consciência sincera seriamente formada é mais importante diante de Deus do que
o “preceito” e a “lei”.
Esta decisão é,
portanto, “ativa” e “produtora” e não “passiva” e “receptiva” da decisão da lei
escrita por Deus no coração de cada um, e menos, todavia da do Decálogo, que o
dedo de Deus esculpiu em tábuas de pedra, encarregando a autoridade humana a
promulgá-la e preservá-la.
A
“nova moral” eminentemente “individual”
A nova ética
(adaptada às circunstâncias), dizem seus autores, é essencialmente
“individual“. Na determinação da consciência cada homem, em particular se
entende diretamente com Deus e diante Dele se decide sem a intervenção de
nenhuma lei, nenhuma autoridade, nenhuma comunidade, de nenhum culto ou
religião, em nada e de nenhuma maneira. Aqui tudo que há é o eu do homem e o Eu
do Deus pessoal; não o Deus da lei, mas sim Deus Pai, ao qual o homem deve
unir-se com amor filial. Visto por este prisma, a decisão da consciência é,
portanto, um “risco pessoal”, segundo o conhecimento e a valorização próprias,
com toda a sinceridade diante de Deus. Estas duas coisas, a intenção correta e
resposta honesta, são o que Deus vê, a ação não se importa. De maneira que a
resposta pode ser a de alterar a fé católica por outros princípios, de
divorciar-se, de fazer aborto, de recusar obediência à autoridade competente na
família, na Igreja, no Estado e assim em outras coisas.
Tudo isso seria
perfeitamente compatível com o estatuto de “maioridade” do homem e, na ordem
cristã, com a relação de filiação, e em virtude do qual, de acordo com os
ensinamentos de Cristo, Nós oramos “Pai Nosso…”. Esta abordagem pessoal poupa
ao homem o dever medir a cada momento se a decisão que há de tomar corresponde
aos artigos da lei ou aos cânones das normas e regras abstratas; ela se
preserva da hipocrisia de uma fidelidade farisaica à lei; ela se preserva tanto
do escrúpulo patológico como da tenuidade ou falta de consciência, porque, faz
cair pessoalmente sobre o cristão a responsabilidade total diante de Deus.
Assim falam aqueles que pregam a “nova moral”.
Está
fora da fé e dos princípios católicos
Exposta desta forma
a nova ética, ela está tão totalmente fora da fé e dos princípios católicos que
até uma criança que conhece seu catecismo percebe isso. Por conseguinte, não é
difícil ver como o novo sistema moral deriva do existencialismo, que faz
abstração de Deus ou simplesmente O nega e em todo caso abandona o homem a si
mesmo. Pode ser que as condições atuais tenham levado a esta tentativa de
transplantar esta “moral nova” ao terreno católico para tornar suportável aos
fiéis as dificuldades da vida cristã. De fato, a milhões deles se exige hoje em
um grau extraordinário que se tenha firmeza, paciência, constância e espírito
de sacrifício, se quiserem permanecer íntegros em sua fé, quer sob os golpes da
fortuna, ou sob as seduções de um ambiente que põe ao alcance de suas mãos tudo
aquilo que forma a aspiração e o desejo de seu coração apaixonado. Mas
semelhante tentativa jamais poderá ter êxito.
As
obrigações fundamentais da lei moral
Alguém pode se
perguntar como a lei moral, que é universal, pode bastar e até mesmo ser
obrigatória em um caso particular, o qual, em sua situação particular é sempre
único e de “uma vez”. Ela pode e ela o faz, porque, precisamente por causa de
sua universalidade, a lei moral inclui necessária e “intencionalmente” todos os
casos particulares nos quais se verificam seus conceitos. E nestes casos, muito
numerosos, ela o faz com uma lógica tão conclusiva, que até a consciência de um
simples fiel percebe de imediato e com absoluta certeza a decisão a tomar.
Isto é
especialmente verdadeiro para obrigações negativas da lei moral, aquelas que
exigem um “não fazer”, um “deixar de lado”. Mas de nenhuma maneira para estas
somente. As obrigações fundamentais da lei moral baseiam-se essencialmente na
natureza do homem e suas relações essenciais, e valem, por conseguinte em todas
as partes nas quais se encontre o homem; as obrigações fundamentais da lei
cristã, ultrapassando, portanto, as da lei natural, são baseadas na essência da
ordem sobrenatural constituída pelo divino Redentor. Das relações essenciais
entre o homem e Deus, entre o homem e o homem, entre cônjuges, entre pais e
filhos; das relações essenciais de comunidade na família, na Igreja, no Estado,
resulta, entre outras coisas, que o ódio a Deus, a blasfêmia, idolatria, a
defecção da fé verdadeira, a negação da fé, o perjúrio, o assassinato, o falso
testemunho, a calúnia, o adultério, a fornicação, o abuso do matrimônio, o
pecado solitário, o furto e o roubo, a subtração do que é necessário à vida, a
fraude no salário justo (Tg 5, 4), a monopolização de produtos alimentares de
primeira necessidade e os aumentos injustificados dos preços, a falência
fraudulenta, as manobras de especulações injustas: tudo isso é severamente
proibido pelo Legislador divino. Não há nenhuma razão para duvidar. Seja qual
for a situação do indivíduo, não há escolha senão obedecer.
Além disso, Nós
opomos à ética da situação três considerações. A primeira: concedemos que Deus
queira acima de tudo e sempre a intenção correta; mas esta não é suficiente.
Ele quer também a boa obra. A segunda: não é permitido fazer o mal para que
resulte o bem (Rom 3, 8). Mas esta ética age – talvez sem perceber – pelo
princípio de que o fim santifica os meios. A terceira: pode haver
circunstâncias nas quais o homem – especialmente o cristão – não possa ignorar
que deve sacrificar tudo, até mesmo sua vida, para salvar sua alma. Todos os
mártires nos lembram disso. E estes são muito numerosos mesmo ainda em nosso
tempo. A mãe dos Macabeus e seus filhos, as santas Perpétua e Felicidade,
apesar de seus recém nascidos, Maria Goretti e milhares de outros, homens e
mulheres que a Igreja venera, teriam, portanto, contra a “situação” incorrido
inutilmente ou até mesmo equivocando-se na morte sangrenta? Certamente que não,
e eles, com seu sangue, são as testemunhas mais eloqüentes da verdade contra a
“nova moral”.
O
problema da formação da consciência
Onde não há regras
absolutamente obrigatórias, independente de qualquer circunstância ou evento, a
situação “de uma vez” em sua unidade exige, de fato, uma análise aprofundada
para decidir quais as regras a serem aplicadas e como. A moral católica tratou
sempre e com extensão este problema da formação da própria consciência com o
exame prévio das circunstâncias do caso a ser resolvido. Tudo o que ela ensina
fornece uma valiosa ajuda nas determinações da consciência tanto teóricas
quanto práticas. Basta citar os ensinamentos, não superados, de Santo Tomás
sobre a virtude cardeal da prudência e as virtudes a ela associadas (Suma
Teológica, 2-2, q. 47-57). Suas explicações revelam um sentido da atividade
pessoal e da realidade, que contém tudo o que é justo e positivo na ética
segundo a “situação” e evita todas as confusões e distorções. Bastará,
portanto, ao moralista moderno continuar na mesma linha, se quiser aprofundar
os novos problemas.
A educação cristã
da consciência está muito longe de esquecer a personalidade, inclusive dos
jovens e crianças, e de eliminar sua iniciativa. Porque toda boa educação tende
a tornar o educador mais desnecessário gradualmente e ao educando independente
dentro dos justos limites. E isso também é verdade na educação da consciência
por Deus e pela Igreja: o seu objetivo é, como diz o apóstolo (Ef 4, 13, cf. 4,
14) “um homem perfeito, à medida da plenitude de Cristo“. Portanto, o homem
adulto, tem também o brio da responsabilidade.
É necessário apenas
que esta maturidade se coloque no lugar certo! Jesus continua a ser o Senhor, o
Chefe e o Mestre de cada homem de todas as idades e de todos os estados,
através da sua Igreja, através da qual Ele continua a agir. O cristão, por sua
vez, deve assumir o grave e grande compromisso de fazer valer em sua vida
pessoal, em sua vida profissional e na vida social e pública, no que depender
dele, a verdade, o espírito e a lei de Cristo. Esta é a moral católica, o que
deixa um vasto campo aberto à iniciativa particular e à responsabilidade
pessoal do cristão.
A
nova moral traz grandes perigos para a juventude
Eis aqui o que eu
nós quisemos dizer. Os perigos para a fé dos nossos jovens são hoje
extraordinariamente numerosos. Todos sabiam e sabem, mas a vossa memória é
particularmente instrutiva a este respeito. No entanto, acreditamos que poucos
destes perigos são tão grandes e tão cheios de conseqüências como os que a
“nova moral” traz para a fé. Os extravios a que tanto levam tais distorções
como o enfraquecimento dos deveres morais, que fluem naturalmente de fé,
terminariam com o tempo a corromper a própria fonte. Assim a fé morre.
Fé
Orante e Sacrificada
De tudo o que Nós
dissemos sobre a fé, vamos tirar duas conclusões, duas diretrizes que Nós queremos
deixar no final, para que elas orientem e incentivem toda a vossa ação e toda a
vossa vida de cristãs corajosas:
A primeira: a fé da
juventude deve ser uma fé “orante”. A juventude deve aprender a orar. Que isso
seja sempre na medida e forma que correspondam à sua idade. Mas sempre
conscientes de que sem oração não é possível manter-se fiel à fé.
A segunda: a
juventude deve ter orgulho de sua fé e aceitar que “custe” algo; ela deve se
acostumar desde cedo a fazer sacrifícios por sua fé, a caminhar diante de Deus
com uma consciência reta, a reverenciar Suas ordens. Então crescerão
espontaneamente no amor de Deus.
Que a caridade de
Deus, a graça de Jesus Cristo e a comunicação do Espírito Santo (2 Cor 13, 13)
estejam com vocês todas é o que desejamos com o afeto mais paternal. E para
testemunharmos isso damos de todo o coração a cada uma de vós e às vossas
famílias, aos seus movimentos, a todas as suas ramificações mundo inteiro, a
todas as vossas companheiras que a elas pertencem a Bênção Apostólica.
Papa
Pio XII
_____________________________________
Original
publicado na Acta Apostolica Sedis (AAS) vol. 44, página 413. Disponível aqui.
Notas:
(1) Discorsi e Radiomessaggi, IX, pag.
221-233.
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