quarta-feira, 28 de maio de 2025

DIREITO À IMIGRAÇÃO. 5. CONCLUSÃO

 

Conclusão – equilibrando as obrigações para com os ganhadores e os possíveis perdedores da migração

Andrew M. Yuengert

Para que os argumentos empíricos não nos distraiam da questão distinta da avaliação moral, irei afirmar a questão que devemos abordar como hipotética: se concordássemos que a imigração impõe custos aos nativos mais pobres que não podem ser compensados de forma adequada através de transferências e requalificação profissional, teríamos justificação para restringir a imigração, apesar de os benefícios materiais para os imigrantes pobres serem maiores que os custos materiais para os nativos pobres? Podemos apenas chegar a esta conclusão se os nossos pobres, se os nossos não-qualificados, tiverem mais peso nas nossas deliberações que os pobres e os não-qualificados de outros países. Será alguma vez defensável valorizar mais os interesses dos nossos concidadãos pobres do que os interesses dos pobres de outros sítios? Quais são as reivindicações de solidariedade e justiça que os nossos concidadãos têm sobre nós e sobre o nosso governo em comparação com as reivindicações de justiça e solidariedade dos estrangeiros? É esta a questão que fica por responder, tanto na Doutrina Social da Igreja como nos debates sobre a imigração.

O bem comum de um país não é simplesmente o seu rendimento agregado. Se assim fosse, a eficiência económica ditaria fronteiras abertas com transferências de pagamentos apropriadas aos que perdem com a imigração. O bem comum de um país inclui o desenvolvimento de todos os seus membros, principalmente dos mais pobres. Se alguns enfrentam dificuldades, então o bem comum do todo não é alcançado. São Tomás de Aquino (1948, II-II, 26) define uma ordem na caridade humana – primeiro Deus, seguido do próprio, da família e do vizinho. A questão crucial para os cidadãos dos países em desenvolvimento é saber se um vizinho que é um concidadão (ou mesmo um não-cidadão residente) está mais perto na ordem da caridade do que um vizinho que vive noutro país. Se um país tem um bem comum separado de algum bem comum universal, então os concidadãos e os residentes devem contar mais. Não sei quanto mais, mas mais.

Há uma hostilidade generalizada em relação a argumentos que apoiam a preferência por políticas a favor dos concidadãos: estas preferências são frequentemente caraterizadas como perigosamente nacionalistas, chauvinistas e fanáticas. A esquerda cosmopolita condena as afirmações de que existem trade-offs entre os pobres de diferentes nações porque considera serem distrações das alterações estruturais que são precisas para elevar todos os pobres. Os apoiantes do mercado livre, frequentemente caraterizados como estando à “direita” no espetro político, rejeitam os apelos para proteger os “nossos” pobres porque os consideram meras cortinas de fumo para mascarar uma luta cínica a favor de restrições ineficientes ao comércio. Ambos os lados afirmam que o trade-off proposto entre os imigrantes e os nativos pobres é ilusório e não precisa de ser encarado diretamente.

A Doutrina Social da Igreja oferece alguma ajuda na reflexão sobre este conflito, mas o tom dos ensinamentos é extremamente suspeitoso em relação aos bens comuns nacionais[18]. O Compêndio (170) reconhece o peso moral do bem comum de uma nação, mas adverte que este não deve ser fechado ao bem comum mais amplo entre nações e povos. Na Fratelli Tutti, o Papa Francisco explora o conflito com algum detalhe e afirma que o bem comum equilibra o amor pela própria terra natal com uma abertura generosa para com aqueles que se encontram fora das fronteiras dessa terra (FT, 142-142). No entanto, tal como os seus antecessores, rapidamente adverte contra uma “mentalidade xenófoba” (39), contra “medos ancestrais” (27), contra um “instinto para a autodefesa” (41) e contra o “narcisismo local” (146).

São quatro as razões para a ambivalência da Igreja Católica relativamente aos bens comuns nacionais. Em primeiro lugar, o estado-nação nasceu em conflito com a Igreja e é fortalecido por filosofias políticas segundo as quais um agregado de interesses individuais ou uma vontade geral irão suplantar a ideia de um bem comum. Em segundo lugar, existem amplos motivos para suspeitar do estado-nação. O nacionalismo combinado com a ideologia tem gerado guerras, discriminação e sofrimento incalculável. A tradição católica de direitos humanos desenvolveu-se para defender a dignidade humana do estado. Além disso, a Igreja Católica é universal: não está limitada a nenhum estado e tem um bem comum que engloba toda a humanidade e criação. Por esse motivo, os imigrantes que se encontram entre fronteiras nacionais estão no topo das preocupações da Igreja (EG, 210).

Uma outra razão pela qual a Doutrina Social da Igreja é de alguma forma silenciosa relativamente ao trade-off entre o bem-estar dos migrantes pobres e o bem-estar dos nativos não-qualificados é uma suposição implícita de que não seria preciso haver contrapartidas se as nações anfitriãs estivessem plenamente empenhadas no seu próprio bem comum e no bem comum universal. A Doutrina Social da Igreja é otimista e assume que as pessoas de boa-vontade, com corações e mente convertidos, podem abordar de forma adequada a maior parte dos problemas sociais. Se os países desenvolvidos fossem governados de acordo com os princípios da Doutrina Social da Igreja seriam capazes tanto de acolher grandes números de imigrantes pobres como, ao mesmo tempo, lidar com os custos desiguais da imigração de uma forma justa.

Contudo, os seres humanos devido à sua finitude e tendência para o pecado ficam muitas vezes aquém das expetativas e são incapazes de satisfazer plenamente as exigências da justiça e da caridade. E se as pessoas de boa-vontade apenas conseguirem enfrentar as desigualdades nos países desenvolvidos de forma imperfeita? Ou, e se os países desenvolvidos não conseguirem enfrentar essas desigualdades por negligência ou indiferença? Em qualquer caso, a imigração pode colocar os interesses dos migrantes pobres contra os dos nativos mais pobres. A Doutrina Social da Igreja oferece pouca orientação para estes cenários que não são os ideais.

Os benefícios dos migrantes pobres em mudarem-se para o mundo desenvolvido são enormes e não são apenas materiais. Perante esta situação, é difícil resistir à conclusão de que os países desenvolvidos deveriam acolher a imigração em massa, ainda que isso imponha custos aos nativos mais pobres. Este é um argumento poderoso, mas talvez os nativos mais pobres mereçam mais consideração por parte dos seus concidadãos. Precisamos de ouvir mais da Doutrina Social da Igreja sobre as exigências dos bens comuns nacionais – e sobre vínculos razoáveis aos nossos concidadãos – para que possamos lidar com os desafios que resultam de escolher as soluções que não são as ideais no que diz respeito à imigração num mundo imperfeito.

A suspeita da Igreja sobre o nacionalismo pouco saudável é justificada, mas uma rejeição instintiva de todas as alegações sobre a importância da nação e do patriotismo pode ser perigosa e desestabilizadora: as comunidades são construídas a partir da base, começando pela família. A Igreja deveria desafiar, encorajar e comprometer-se com qualquer pessoa que apresente argumentos razoáveis e humanos a favor da autonomia do estado-nação, bem como de obrigações particulares relativamente aos seus concidadãos (Hazony 2018; Cass 2018; Reno 2019). Tais pessoas roubam terreno intelectual aos populistas autocráticos que recorrem ao nacionalismo e aos laços de cidadania para atingir propósitos iliberais e desumanos. Se os apelos dos autocratas não forem equilibrados pela reflexão sobre um respeito mais saudável pela nação, os autocratas podem continuar a ganhar força. A Doutrina Social da Igreja deveria ter peso neste debate.

Sobre o autor

Andrew M. Yuengert é Professor de Economia no Seaver College na Universidade Pepperdine. Doutorou-se em Economia na Universidade de Yale e é professor visitante William E. Simon em Religião e Vida Pública na Universidade de Princeton, professor auxiliar de Economia no Bates College e economista investigador na Reserva Federal do Banco de Nova Iorque. Andrew foi presidente da Associação de Economistas Cristãos. Contribuiu para inúmeros livros e revistas científicas, sendo autor dos livros: “The Boundaries of Technique: Ordering Positive and Normative Concerns in Economic Research” e “Inhabiting the Land: The Case for the Right to Migrate”.

Referências e outras leituras para esta seção - Fonte

As referências a artigos e aos documentos pontifícios dos artigos desta série sobre migração são muito extensos.. Para quem tem interesse em consultá-los colocamos aqui o link da série. 

https://catholicsocialthought.org.uk/course_unit/o-direito-a-migrar-e-o-bem-comum/?lang=pt-pt


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