quinta-feira, 20 de março de 2025

DSI. O DIREITO A MIGRAR E O BEM COMUM - 4

 

Imigrantes pobres e os “nossos” pobres

Embora o direito a migrar não seja absoluto, a Doutrina Social da Igreja adverte as nações contra as restrições arbitrárias a este direito: os migrantes internacionais são geralmente pobres e mesmo aqueles que são mais ricos procuram frequentemente melhores condições e direitos que lhes são negados nos seus países de origem. O Papa Francisco nota que Jesus chama a Igreja a reconhecê-lo “nos mais pobres e mais abandonados; entre estes haverá certamente migrantes e refugiados que estão a tentar escapar a condições difíceis e a perigos de todo o tipo” (WDMR, 2015). A nossa atitude para com os migrantes pobres e os refugiados “não é apenas sobre migrantes (…) o progresso dos nossos povos (…) depende acima de tudo da nossa abertura para sermos tocados e movidos por aqueles que nos batem à porta” (WDM, 2019).

Ainda que as nações ocidentais olhem com crescente preferência para os imigrantes mais bem-educados e altamente qualificados, a Doutrina Social da Igreja incita-nos a manter os nossos olhos fixos nos pobres. Estudos confirmam que os benefícios econômicos para os migrantes pobres são inegavelmente grandes, com aumentos substanciais nos seus rendimentos apenas por atravessarem a fronteira. O fato de este benefício reverter para os imigrantes com efeitos relativamente pequenos no curto-prazo sobre os trabalhadores nativos (e efeitos ainda menores no longo-prazo) é um puzzle – um puzzle que talvez apenas os economistas consigam apreciar na sua totalidade. Explorando-o, podemos ver mais claramente o retorno humano da imigração: os grandes benefícios econômicos para os imigrantes pobres são um indicador e coincidem com os grandes benefícios não-económicos da imigração.

O Prêmio do Local

Sem surpresas, mais de um milhão de imigrantes entram nos EUA todos os anos e muitos mais gostariam também de entrar (Clemens 2011, p.83). Nós tomamos isto por garantido, mas talvez devêssemos refletir sobre este facto relevante. Numa economia global e dinâmica, na qual o capital, bens e serviços são todos suscetíveis de ser mobilizados através das fronteiras, as diferenças nos rendimentos do trabalho não deveriam ser tão persistentemente acentuadas. Os trabalhadores nos países pobres não deveriam ter de deixar a sua terra natal para aumentar significativamente os seus rendimentos. Os mercados podem chegar até eles: o investimento capital e a tecnologia são extremamente móveis e sensíveis às oportunidades; e o comércio livre de bens e serviços permite aos pobres maior acesso aos mercados mundiais do que em qualquer outro momento da história mundial. Isto levanta uma questão crucial: por que é que a oportunidade não chega até eles?

Consideremos as seguintes estatísticas de Kennan (2013)[14]:


·
Um trabalhador filipino, educado nas Filipinas e a trabalhar nos EUA, ganha quatro vezes mais do que um filipino com a mesma educação que permaneça nas Filipinas.

     · Um trabalhador mexicano, educado no México e a trabalhar nos EUA, ganha duas vezes e meia mais do que um mexicano com a mesma educação que permaneça no México.

Encontramos estas diferenças por todos os países que enviam imigrantes para a Europa e para os EUA: a mesma pessoa, com a mesma educação no país de origem, pode ganhar muito mais num país desenvolvido do que em casa.

As caraterísticas dos imigrantes relativamente àqueles que ficam em casa não conseguem explicar diferenças desta dimensão (Clemens 2011). A educação não explica esta diferença uma vez que tanto os emigrantes como aqueles que ficam são educados no país de origem, nem as barreiras ao comércio são suficientemente severas para a explicar. Talvez as diferenças na remuneração reflitam algo mais do que diferenças na produtividade. Talvez os trabalhadores mexicanos sejam igualmente produtivos no México e nos EUA, mas recebam simplesmente muito menos no México. Contudo, isto não é plausível porque o investimento capital e o comércio (ao contrário do trabalho) move-se com relativa facilidade entre fronteiras. Se os trabalhadores no México fossem tão produtivos como os trabalhadores mexicanos nos EUA mas recebessem muito menos, então a procura por trabalhadores mexicanos para trabalhar no México seria grande e com tendência para aumentar; os investimentos no México seriam mais rentáveis; e estes lucros mais elevados seriam tão persistentes como as diferenças salariais. Mas este não parece ser o caso. Os retornos ao capital são praticamente iguais entre os países (Caselli and Feyrer, 2007) e não há uma escassez constante de trabalhadores no mundo em desenvolvimento.

Há alguma coisa no país de origem que faz com que o mesmo trabalhador seja menos produtivo em casa do que no estrangeiro. O mesmo trabalhador filipino é quatro vezes mais produtivo nos EUA do que no país de origem. O mesmo trabalhador mexicano é duas vezes e meia mais produtivo nos EUA do que no México. Há alguma coisa nos países de origem que faz com que os trabalhadores sejam menos produtivos lá, mas que não reduz da mesma forma a produtividade marginal do investimento de capital nesses países. A explicação técnica para esta disparidade encontra-se no conceito de “produtividade acrescentada do trabalho” no mundo desenvolvido (Kennan 2013, p. L2). Clemens et al. (2008) chama a isto o “Prémio do Local” (Place Premium), embora do ponto de vista do país de origem sejam mais uma “Penalização do Local” sobre o trabalho.

O que explica esta “penalização”? Os culpados mais óbvios são as políticas económicas e as instituições dos países de origem que suprimem a produtividade do trabalho (Olson 1996; Clemens 2011). Nos países em desenvolvimento é difícil começar novas empresas e protegê-las da apropriação pelos poderosos e pelos que têm ligações políticas. A justiça e o estado de direito são aplicados de forma desigual. Em poucas palavras, os trabalhadores e os empreendedores não conseguem tirar o máximo partido das oportunidades que se apresentam. Os seus países de origem dão-lhes poucas oportunidades para exercerem a sua iniciativa económica e empregarem as suas competências[15].

Se um trabalhador se torna mais produtivo simplesmente porque se muda para os EUA ou Europa, então os benefícios económicos potenciais para a imigração são enormes – muito maiores que os benefícios do comércio livre, ou de mais educação ou do livre movimento de capitais (Clemens 2011)[16]. São trilhões de dólares de benefícios para os trabalhadores pobres que estão em causa.

O “prêmio do local” coloca o trabalho humano e o empreendimento humano no centro da política de imigração. Um trabalhador que imigra para os EUA recebe bem mais do que um aumento no rendimento: não é por acaso que recebe mais dinheiro. Salários mais elevados refletem uma maior produtividade, logo o trabalhador produz mais e contribui mais. No país de origem, o trabalhador não é roubado do seu salário, mas sim pago de acordo com a baixa produtividade. A produtividade pode ser tão baixa que os trabalhadores no seu país de origem podem estar a trabalhar em condições desumanas. Os trabalhadores são privados da sua produtividade e têm de emigrar para se aperceberem disso.

Para usar a linguagem da Doutrina Social da Igreja, ao migrar para países desenvolvidos os migrantes pobres não “têm” apenas mais rendimento: este “ter” reflete a sua capacidade para “ser” mais – mais produtivo, mais criativo, mais responsável por si próprio tanto dentro como fora da força de trabalho. Os seus salários baixos nos países de origem refletem uma falta de “ser” tanto como uma falta de “ter”. Na Laborem exercens, o Papa João Paulo II afirmou que “o trabalho humano (…) é a chave essencial para a questão social” (LE, 3). Através do trabalho, o homem realiza-se enquanto pessoa, desenvolve-se e contribui para a sua comunidade. O grande benefício do trabalho para a pessoa humana e para a comunidade humana reforça o “direito à iniciativa económica”, o terceiro argumento para o direito a migrar discutido anteriormente. A negação deste direito conduz muitos a “optar pela não participação na vida nacional” e a emigrar (LE, 15), o que gera uma pobreza que não é puramente económica:

E os «pobres» aparecem sob variados aspectos; (…) aparecem, em muitos casos, como um resultado da violação da dignidade do trabalho humano: e isso, quer porque as possibilidades do trabalho humano são limitadas — e há a chaga do desemprego — quer porque são depreciados o valor do mesmo trabalho e os direitos que dele derivam (…). (LE, 9) 

O “prêmio do local”, e a supressão da iniciativa econômica que ele reflete, coloca o retorno humano da imigração numa perspetiva muito clara. Muitos pensam nos benefícios da imigração para os imigrantes como uma espécie de redistribuição do rendimento mundial – com os países ricos a darem alguma da sua riqueza aos imigrantes. Mas a economia da imigração sugere que isto não é verdade. Em vez disso, o que está a acontecer é muito mais significativo do ponto de vista moral. O movimento dos imigrantes de países onde a sua iniciativa económica é suprimida para países onde podem ser mais produtivos é uma expansão de oportunidades, não uma redistribuição de rendimentos. O Papa Francisco exorta os países desenvolvidos a acolherem os migrantes e a garantirem que estes “têm o poder de realizar o seu potencial como seres humanos, em todas as dimensões que constituem a humanidade desejada pelo Criador” (WDMR, 2018). O enorme aumento nos rendimentos está intimamente ligado ao “empoderamento” dos trabalhadores imigrantes.


Observação: os destaques em itálico foram inseridos pelo claravalcister. 


Notas da parte 4


[14] Tabela 1, quarta e quinta colunas. Kennan retira as suas estimativas de Clemens et al. (2008).

[15] Existem evidências económicas abundantes neste ponto. Contudo, talvez mais convincente que os livros e os artigos de revistas académicas que têm sido escritos sobre o tema é esta Ted talk que narra a experiência pessoal de Magatte Wade e daqueles que ela tenta empregar no Senegal: https://www.ted.com/talks/magatte_wade_why_it_s_too_hard_to_start_a_business_in_africa_and_how_to_change_it

[16] Clemens (2011) estima que “a emigração de menos de 5% da população das regiões pobres traria ganhos globais superiores aos ganhos resultantes da eliminação total de todas as barreiras ao comércio de mercadorias e de todas as barreiras aos fluxos de capital” (p. 84). Ver Keennan (2013, 2017) para efeitos estimados igualmente grandes.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário