quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

LEMBRA-TE HOMEM


Valter de Oliveira



Quarta-feira de Cinzas. Início da Quaresma. Nela a Igreja nos convida à reflexão, ao silêncio, ao jejum, à mortificação, à caridade. Todos nós católicos, bem como todos os cristãos, sabemos perfeitamente disso. E também sabemos que este convite parece contrariar muito do que vemos ao nosso redor.

Quando eu era menino a tradição religiosa ainda se fazia sentir. Em minha casa, na qual não era hábito se ir à Missa, tínhamos abstinência de carne às quartas e sextas-feiras durante toda a Quaresma. Nem sei se era lei da Igreja ou apenas costume que meus pais trouxeram de Alagoas. O clímax era na Sexta-feira Santa. Neste dia até a programação nas rádios mudava e tudo era marcado por um tom profundamente religioso.

Hoje vivemos tempos de laicismo. Atuando sistematicamente, e de mãos dadas, governos e amplos setores da mídia se empenham em fazer com que a vida religiosa volte para as catacumbas.

A influência de um mundo secularizado que, como disse Bento XVI, quer negar suas raízes cristãs faz com que os próprios fiéis sejam afetados. Gradualmente tendemos a esquecer a beleza da penitência, do sacrifício, da necessidade do amor à Cruz para nos identificarmos com Cristo. E que é necessário morrer com Ele para viver com Ele.

Alguns anos atrás, quando na primeira quarta-feira da Quaresma o sacerdote impunha as cinzas sobre nossas cabeças, ele dizia: “Memento homo, quia pulvis es...” “Lembra-te ó homem, de que és pó, e em pó te hás de tornar”.

Deus quer que nos lembremos que sem Ele nada somos. E que devemos nos converter continuamente.

E a Igreja nos pede que lembremos as palavras de Davi:

Tende piedade de mim, Senhor, segundo a vossa bondade...

Lavai-me totalmente de minha falta e purificai-me do meu pecado. Eu reconheço a minha iniqüidade e tenho sempre diante de mim o meu pecado...

Ó meu Deus, criai em mim um coração puro e renovai-me o espírito de firmeza. (Salmo 50)


Não teremos um coração puro se não tivermos espírito de renúncia. Sem esta não há conversão.

Curiosamente há quem pense que conversão implica só em renúncia e sofrimento. Na realidade o que Deus nos pede é que troquemos uma pocilga por um palácio, o efêmero pelo eterno, o fracasso de uma vida sem sentido pela felicidade eterna. Felicidade que nasce aqui para quem quer cumprir Sua vontade divina.

Na realidade temos que trocar o sofrimento sem sentido, próprio de nossas misérias, pelo sofrimento que liberta e redime.

A Igreja não nos pede grandes sacrifícios, não nos pede as mortificações que grandes santos praticaram no passado. S. Teresinha nos indica uma “pequena via” (1) a luta contra nosso egoísmo através de pequenos atos de renúncia: aguardar um pouco mais para beber um copo de água, não comer algo que se gosta durante a refeição, levantar rapidamente pela manhã, fazer um serviço em casa por outra pessoa e, não se surpreenda, saber sorrir.

S. Teresinha era uma religiosa carmelita, mas seus conselhos podem ser perfeitamente seguidos por nós. Um outro santo, São Josemaría Escrivá, canonizado recentemente e que pregava a santificação no mundo, segue na mesma linha. Ele nos pede a mortificação no trabalho diário, nos pormenores de ordem, na perfeição com que executamos nossos trabalhos.

“Mortificações que não mortifiquem os outros que nos tornem mais delicados, mais compreensivos, mais abertos a todos. Não seremos mortificados se formos suscetíveis, se estivermos preocupados apenas com os nossos egoísmos, se esmagarmos os outros, se não nos soubermos privar do supérfluo e, às vezes, do necessário; se nos entristecermos quando as coisas não correm como tínhamos previsto. Pelo contrário, seremos mortificados se nos soubermos fazer tudo para todos, para salvar a todos (I Cor IX, 22)”. (2)

Tenho amigos exemplares cujas famílias vivem profundamente o cristianismo. Há certas mortificações que fazem em conjunto, sem problemas. É como a oração durante as refeições. E há as mortificações individuais que devem ser conhecidas só por Deus.

Que nesta Quaresma a Virgem ajude a todos nós, sua família e a minha, a entender e viver a alegria da renúncia.



1. “Aplicava-me, antes de tudo, à prática de pequenas virtudes, uma vez que não achava facilidade de praticar as grandes. Gostava, pois, de dobrar as capas esquecidas pelas irmãs e de prestar a estas todos os pequenos obséquios ao meu alcance. (Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, História de uma alma, São Paulo, Paulinas – Carmelo de Cotia, 1975, p.169)

2. S. Josemaria Escrivá. É Cristo que passa, 3ª ed.,Quadrante, São Paulo, n.9

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