terça-feira, 24 de março de 2020

CAMINHAR PARA CRISTO


CRISTO, PEDRO E A BARCA AGITADA PELAS ONDAS (1)
Lições para enfrentarmos nossas dificuldades. Especialmente nos dias de hoje.

Cristo fizera um milagre portentoso: a multiplicação dos pães e dos peixes. Provavelmente os apóstolos ficaram assombrados e inundados de alegria.
S. Josemaría Escrivá
“Depois de despedir a multidão, Jesus pediu aos Apóstolos que passassem à outra margem do lago, enquanto Ele dedicava um tempo à oração” (2)
“Para eles, especialistas como eram, a travessia não apresentava uma particular dificuldade”. (...)
“Pouco a pouco, a barca foi se afastando da terra, e chegou um momento em que ficou muito lenta. Quando caiu a noite, já a boa distância da margem, a barca era agitada pelas ondas, pois o vento era contrário [3]: não podiam voltar atrás, mas tampouco parecia que avançavam; tinham a impressão de que as ondas e o vento – as dificuldades – tinham assumido o controle e o único que lhes restava era tentar manter-se flutuando”.
“Assustaram-se. Como parecia longínquo agora o milagre que tinham contemplado poucas horas antes! Se ao menos o Senhor estivesse com eles…, mas Ele tinha ficado em terra. Sim, tinha ficado, mas não os tinha deixado sós, não os esquecera: embora eles não o soubessem, contemplava do monte a sua dificuldade, o seu esforço e a sua fadiga” [4].
“É fácil que no início da vida interior se experimente com certa clareza o próprio progresso: aos olhos de quem começa a adentrar-se no mar, a margem se afasta rapidamente. Passa o tempo e, embora se continue lutando e avançando, não se percebe de modo tão patente. Sentem-se mais as ondas e o vento, a margem parece ter ficado fixa num mesmo ponto. É o momento da fé. É o momento de fomentar a consciência de que o Senhor não se desentendeu de nós. É o momento de recordar que as dificuldades – o vento e as ondas – formam, inevitavelmente, parte da vida, dessa existência que temos que santificar e com a qual lidamos sabendo que estamos muito acompanhados por Jesus Cristo”.
“A experiência da proximidade de Deus e do poder da sua graça não nos exime da tarefa de enfrentar as dificuldades. Não podemos pretender que a parte sensível dessa experiência seja permanente; não podemos pretender que, uma vez que estamos perto de Deus, os problemas não nos pesem. E tampouco podemos cair no erro de vê-los como uma manifestação de que o Senhor se afastou de nós, ainda que seja só um pouco e por um breve tempo”.
As dificuldades são precisamente a ocasião de mostrar até que ponto amamos Deus, até que ponto somos bons, com a aceitação serena dos inconvenientes que não pudemos ou não soubemos superar”.

Notas: Os destaques em negrito e as partes em itálico são do blog.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O PAPA S. JOÃO PAULO II, O PROGRESSISMO E OS BISPOS ALEMÃES. O FIM JUSTIFICA OS MEIOS?







Resultado de imagem para Veritatis Splendor joao paulo II"O «mal intrínseco»: não é lícito praticar o mal para se conseguir o bem (cf. Rm 3, 8)



79. Deve-se, portanto, rejeitar a tese, própria das teorias teleológicas e proporcionalistas, de que seria impossível qualificar como moralmente má segundo a sua espécie — o seu «objeto» —, a escolha deliberada de alguns comportamentos ou atos determinados, prescindindo da intenção com que a escolha é feita ou da totalidade das consequências previsíveis daquele ato para todas as pessoas interessadas.


O elemento primário e decisivo para o juízo moral é o objecto do ato humano, o qual decide sobre o seu ordenamento ao bem e ao fim último que é Deus. Este ordenamento é identificado pela razão no mesmo ser do homem, considerado na sua verdade integral, e portanto, nas suas inclinações naturais, nos seus dinamismos e nas suas finalidades que têm sempre também uma dimensão espiritual: são exatamente estes os conteúdos da lei natural, e consequentemente o conjunto ordenado dos «bens para a pessoa» que se põem ao serviço do «bem da pessoa», daquele bem que é ela mesma e a sua perfeição. São estes os bens tutelados pelos mandamentos, os quais, segundo S. Tomás, contêm toda a lei natural. 130


80. Ora, a razão atesta que há objetos do ato humano que se configuram como «não ordenáveis» a Deus, porque contradizem radicalmente o bem da pessoa, feita à Sua imagem. São os atos que, na tradição moral da Igreja, foram denominados «intrinsecamente maus» (intrinsece malum): são-no sempre e por si mesmos, ou seja, pelo próprio objecto, independentemente das posteriores intenções de quem age e das circunstâncias. Por isso, sem querer minimamente negar o influxo que têm as circunstâncias e sobretudo as intenções sobre a moralidade, a Igreja ensina que «existem atos que, por si e em si mesmos, independentemente das circunstâncias, são sempre gravemente ilícitos, por motivo do seu objecto».131 O mesmo Concílio Vaticano II, no quadro do devido respeito pela pessoa humana, oferece uma ampla exemplificação de tais atos: «Tudo quanto se opõe à vida, como são todas as espécies de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador».132


Sobre os atos intrinsecamente maus, e referindo-se às práticas contraceptivas pelas quais o ato conjugal se torna intencionalmente infecundo, Paulo VI ensina: «Na verdade, se, por vezes, é lícito tolerar um mal menor com o fim de evitar um mal mais grave ou de promover um bem maior, não é lícito, nem mesmo por gravíssimas razões, praticar o mal para se conseguir o bem (cf. Rm 3, 8), ou seja, fazer objecto de um ato positivo de vontade o que é intrinsecamente desordenado e, portanto, indigno da pessoa humana, mesmo com o intuito de salvaguardar ou promover bens individuais, familiares ou sociais».133


81. Ao ensinar a existência de atos intrinsecamente maus, a Igreja cinge-se à doutrina da Sagrada Escritura. O apóstolo Paulo afirma categoricamente: «Não vos enganeis: Nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem maldizentes, nem os que se dão à embriaguez, nem salteadores possuirão o Reino de Deus» (1 Cor 6, 9-10).


Se os atos são intrinsecamente maus, uma intenção boa ou circunstâncias particulares podem atenuar a sua malícia, mas não suprimi-la: são atos «irremediavelmente» maus, que por si e em si mesmos não são ordenáveis a Deus e ao bem da pessoa: «Quanto aos atos que, por si mesmos, são pecados (cum iam opera ipsa peccata sunt) — escreve S. Agostinho — como o furto, a fornicação, a blasfêmia ou outros atos semelhantes, quem ousaria afirmar que, realizando-os por boas razões (causis bonis), já não seriam pecados ou, conclusão ainda mais absurda, que seriam pecados justificados?». 134


Por isso, as circunstâncias ou as intenções nunca poderão transformar um ato intrinsecamente desonesto pelo seu objecto, num ato «subjetivamente» honesto ou defensível como opção.


82. De resto, a intenção é boa quando visa o verdadeiro bem da pessoa na perspectiva do seu fim último. Mas os atos, cujo objecto é «não ordenável» a Deus e «indigno da pessoa humana», opõem-se sempre e em qualquer caso a este bem. Neste sentido, o respeito das normas que proíbem tais atos e que obrigam semper et pro semper, ou seja, sem nenhuma excepção, não só não limita a boa intenção, mas constitui mesmo a sua expressão fundamental.



Aqui está o ensinamento do Papa sobre o assunto. Ratificando o que foi sempre ensinado pela Igreja.

Contudo, os bispos alemães, famosos por seu progressismo, pensam de modo diferente. De momento estão reunidos para apresentar "novas propostas" para a Igreja. O papa Francisco está preocupado. A questão é: se aprovarem o que querem - conforme o caminho sinodal tal como entendem - o que acontecerá?

Aguardemos. Para nós, simples fiéis, a verdade já foi pronunciada. Há muito tempo.








terça-feira, 28 de janeiro de 2020

A HERESIA AINDA EXISTE NA IGREJA



Fico admirado com a habilidade dos teólogos que conseguem defender justamente o oposto do que se encontra claramente escrito nos documentos do Magistério

Joseph cardeal Ratzinger

Em 1985 foi publicado no Brasil o livro "A fé em crise? O cardeal Ratzinger se interroga. Nele, o então Prefeito da Sagrada Congregação para a doutrina da Fé (desde janeiro de 1982), discute abertamente, com seu entrevistador Vitorio Messori, a preocupante crise da Igreja. 

Como sabemos, se um organismo está em crise, é porque um ou vários de seus órgãos não cumprem com suas funções. Se há crise na Igreja é porque há leigos e eclesiásticos que se afastaram de suas missões. Obviamente a questão é mais grave se as disfunções ocorrem na hierarquia que, nos velhos tempos,era chamada de Igreja docente. 

Disfunção na hierarquia pode significar carreirismo, busca pelo poder, acomodação, covardia,  burguesismo, corrupção. Independe de tendência teológica. Pode significar também heresia, nas palavras e nos gestos. Sobre o tema disse Messori:

"A ouvidos modernos, as palavras "heresia" e "herético" são de tal modo insólitos que se é obrigado a escrevê-las entre aspas". Então perguntou ao cardeal: "Eminência... ainda existem realmente "hereges", existem ainda "heresias"?

O cardeal cita, então, o artigo 751 do direito canônico recém reformado, onde se lê: Chama-se heresia a negação obstinada, após a recepção do batismo, de alguma verdade em que se deve crer por fé divina e católica, ou a dúvida obstinada sobre ela".(...)

A fé é um bem comum. Defender a ortodoxia é obra social em favor de todos os fiéis.

Ratzinger continua: "A palavra da Escritura é atual para a Igreja de todos os tempos, assim como é sempre atual para o homem a possibilidade de cair em erro. Portanto também hoje é atual a advertência da segunda epístola de Pedro, acerca do cuidado "com os falsos profetas e falsos mestres que introduzirão heresias perniciosas" (2, 1). O erro não é complemento da verdade. Não se esqueça que, para a Igreja, a fé é um "bem comum", uma riqueza de todos, a começar pelos pobres, os mais indefesos perante os desvios. Portanto, defender a ortodoxia é, para a Igreja, obra social em favor de todos os fiéis.

Finalmente, o cardeal admite que há hereges na Igreja, "numa época espiritualmente complexa como a nossa" "só que não pretendem aparecer como tais"(destaque nosso). Quase sempre se oporão as próprias hipóteses teológicas ao Magistério, dizendo que este não expressa a fé da Igreja, mas apenas a "arcaica teologia romana". Dir-se-á que não é a Congregação para a Fé, e sim eles, os heréticos, que percebem o sentido "autêntico" da fé transmitida. Onde ainda existe um laço eclesial um pouco mais forte, deparamos com um fenômeno diferente, porém ligado ao primeiro: eu fico cada vez mais admirado com a habilidade dos teólogos que conseguem defender justamente o oposto do que se encontra claramente escrito nos documentos do Magistério. E, no entanto, aquelas deturpações são apresentadas através de hábeis artifícios dialéticos, como o "verdadeiro" significado do documento em questão". 

Nota: os subtítulos e os destaques em negrito foram colocados pelo claravalcister.com

Fonte: Ratzinger, Joseph. A fé em crise? O cardeal Ratzinger se interroga. trad. Fernando José Guimarães.São Paulo, EPU, 1985. p 13;14. 



domingo, 11 de setembro de 2016

PIO XII CONDENA A MORAL DE SITUAÇÃO


Discurso do Papa Pio XII ao Congresso Internacional da Federação Mundial da Juventude Feminina Católica

O tema do Congresso
Sejam bem-vindas filhas amadas da Federação Mundial da Juventude Feminina Católica. Eu vos saúdo com o mesmo carinho que recebi, há cinco anos em Castel Gandolfo, por ocasião do grande encontro internacional das Mulheres Católicas.
Os estímulos e os sábios conselhos que foram proporcionados a vocês neste Congresso, assim como as palavras que então dirigimos não foram certamente infrutíferos. Sabemos os esforços que neste intervalo vocês têm desenvolvido para atingir os objetivos precisos dos quais vocês tinham uma visão clara. Isso também prova o relatório impresso durante a preparação deste Congresso que fizemos lá: “La Foi des Jeunes – Problème de notre temps”. Suas 32 páginas têm o peso de um grosso volume, e Nós temos analisado com muito cuidado, porque resume e sintetiza os ensinamentos de numerosas questões sobre a situação da fé na juventude católica da Europa, cujas conclusões são altamente instrutivas.
Em muitas das questões levantadas lá, Nós mesmos tratamos em nossa alocução de 11 de setembro de 1947 (1), que vocês assistiram, e em muitos outros discursos antes e depois. Hoje, Nós queremos aproveitar a oportunidade proporcionada por este encontro com vocês para dizer o que pensamos sobre um fenômeno que ocorre em todos os lugares, na vida de fé dos católicos e que afeta um pouco a todos, mas de uma forma particular afeta os jovens e seus educadores, como quando vocês dizem (p. 10): “Confundindo o cristianismo com um código de preceitos e proibições, os jovens têm a impressão de afogar-se nesse clima de “moral imperativa” e não é uma pequena minoria que deixa de lado esse “fardo constrangedor.”
Uma nova concepção da lei moral
Podemos chamar esse fenômeno de “uma nova concepção da vida moral”, uma vez que é uma tendência que se manifesta no campo da moralidade. No entanto os princípios da moralidade se baseiam nas verdades da fé e vocês sabem bem que é importância capital para a conservação e o crescimento da fé que a consciência da jovem se forme o mais cedo possível e se desenvolva segundo as normas morais justas e saudáveis. Assim, a concepção de “nova moralidade cristã” toca muito diretamente o problema da fé dos jovens.
Já falamos da “nova moral” em nossa mensagem de rádio em 23 de março passado, para os educadores cristãos. O que estamos discutindo hoje não é apenas uma continuação do que dissemos então; queremos descobrir as profundas origens dessa concepção. Pode-se qualificá-la de “existencialismo ético” de “realidade ética” do “individualismo ético”, entendidas em sentido estrito que vamos explicar e tal como se encontram no que em outros lugares se tem chamado de “Situationsethik” “moral de situação”.
A “moral de situação”, seu caráter distintivo
A marca desta moral é que ela não é de forma alguma baseada em leis universais de moral, por exemplo, os dez mandamentos, mas em condições ou circunstâncias reais e concretas nas quais se deve agir e de acordo com as quais a consciência individual vai julgar e escolher. Este estado de coisas é ação humana. É por isso que a decisão de consciência, afirmam os defensores desta ética, não pode ser comandada pelas idéias, os princípios e as leis universais.
A fé cristã baseia as suas exigências morais no conhecimento da verdade “essencial” e de suas relações; assim faz São Paulo na Epístola aos Romanos (1, 19-21) para a religião como tal, seja esta cristã ou anterior ao Cristianismo: a partir da criação, diz o Apóstolo, o homem percebe e sente de alguma forma o Criador, o seu eterno poder e divindade, e que, com tais provas de que ele sabe e sente-se compelido a reconhecer Deus e dar algum culto, de modo que desprezar este culto ou depravá-lo na idolatria é gravemente culpável para todos e em todos os tempos.
Isto não é, de modo algum, o que afirma a ética sobre a qual Nós falamos. Ela não nega os conceitos e princípios morais gerais (embora às vezes chegue muito perto de semelhante negação), mas se move do centro para a extrema periferia. Pode acontecer que a decisão de consciência muitas vezes esteja de acordo com ela. Mas não são, por assim dizer, uma coleção de premissas a partir do qual a consciência tira as conseqüências lógicas, no caso particular, o caso “de uma vez”. De jeito nenhum! No centro se encontra o bem, que é necessário realizar ou manter o seu valor real e individual, por exemplo, no domínio da fé, a relação pessoal que nos une a Deus. Se a consciência formada seriamente diz que o abandono da fé católica e a adesão a outra confissão leva para mais perto de Deus, esse passo seria “justificado”, quando é geralmente descrito como “a deserção da fé”. Ou, no campo da moral, a doação de si mesmo, corporal e espiritual, entre os jovens. Aqui a consciência seriamente formada estabeleceria que devido a sincera inclinação mútua são permitidas intimidades do corpo e dos sentidos, e estas, embora permitidas apenas entre cônjuges, poderiam ser manifestações permitidas. (A consciência aberta de hoje estabeleceria assim porque deduz da hierarquia de valores este princípio, segundo o qual os valores da personalidade, sendo os mais altos, poderiam utilizar os valores inferiores do corpo e dos sentidos ou descartá-los, como sugerido por cada situação). Tem sido dito com insistência que precisamente segundo este princípio, em matéria de direitos dos cônjuges seria necessário, em caso de conflito, deixar à consciência séria e reta dos cônjuges, de acordo com as exigências das situações concretas, o poder de tornar absolutamente impossível a realização dos valores biológicos a favor dos valores da personalidade.
O parecer de uma consciência desta natureza, por muito contrário que pareça à primeira vista aos preceitos divinos, valeria, no entanto, diante de Deus, porque, dizem eles, a consciência sincera seriamente formada é mais importante diante de Deus do que o “preceito” e a “lei”.
Esta decisão é, portanto, “ativa” e “produtora” e não “passiva” e “receptiva” da decisão da lei escrita por Deus no coração de cada um, e menos, todavia da do Decálogo, que o dedo de Deus esculpiu em tábuas de pedra, encarregando a autoridade humana a promulgá-la e preservá-la.
A “nova moral” eminentemente “individual”
A nova ética (adaptada às circunstâncias), dizem seus autores, é essencialmente “individual“. Na determinação da consciência cada homem, em particular se entende diretamente com Deus e diante Dele se decide sem a intervenção de nenhuma lei, nenhuma autoridade, nenhuma comunidade, de nenhum culto ou religião, em nada e de nenhuma maneira. Aqui tudo que há é o eu do homem e o Eu do Deus pessoal; não o Deus da lei, mas sim Deus Pai, ao qual o homem deve unir-se com amor filial. Visto por este prisma, a decisão da consciência é, portanto, um “risco pessoal”, segundo o conhecimento e a valorização próprias, com toda a sinceridade diante de Deus. Estas duas coisas, a intenção correta e resposta honesta, são o que Deus vê, a ação não se importa. De maneira que a resposta pode ser a de alterar a fé católica por outros princípios, de divorciar-se, de fazer aborto, de recusar obediência à autoridade competente na família, na Igreja, no Estado e assim em outras coisas.
Tudo isso seria perfeitamente compatível com o estatuto de “maioridade” do homem e, na ordem cristã, com a relação de filiação, e em virtude do qual, de acordo com os ensinamentos de Cristo, Nós oramos “Pai Nosso…”. Esta abordagem pessoal poupa ao homem o dever medir a cada momento se a decisão que há de tomar corresponde aos artigos da lei ou aos cânones das normas e regras abstratas; ela se preserva da hipocrisia de uma fidelidade farisaica à lei; ela se preserva tanto do escrúpulo patológico como da tenuidade ou falta de consciência, porque, faz cair pessoalmente sobre o cristão a responsabilidade total diante de Deus. Assim falam aqueles que pregam a “nova moral”.
Está fora da fé e dos princípios católicos
Exposta desta forma a nova ética, ela está tão totalmente fora da fé e dos princípios católicos que até uma criança que conhece seu catecismo percebe isso. Por conseguinte, não é difícil ver como o novo sistema moral deriva do existencialismo, que faz abstração de Deus ou simplesmente O nega e em todo caso abandona o homem a si mesmo. Pode ser que as condições atuais tenham levado a esta tentativa de transplantar esta “moral nova” ao terreno católico para tornar suportável aos fiéis as dificuldades da vida cristã. De fato, a milhões deles se exige hoje em um grau extraordinário que se tenha firmeza, paciência, constância e espírito de sacrifício, se quiserem permanecer íntegros em sua fé, quer sob os golpes da fortuna, ou sob as seduções de um ambiente que põe ao alcance de suas mãos tudo aquilo que forma a aspiração e o desejo de seu coração apaixonado. Mas semelhante tentativa jamais poderá ter êxito.
As obrigações fundamentais da lei moral
Alguém pode se perguntar como a lei moral, que é universal, pode bastar e até mesmo ser obrigatória em um caso particular, o qual, em sua situação particular é sempre único e de “uma vez”. Ela pode e ela o faz, porque, precisamente por causa de sua universalidade, a lei moral inclui necessária e “intencionalmente” todos os casos particulares nos quais se verificam seus conceitos. E nestes casos, muito numerosos, ela o faz com uma lógica tão conclusiva, que até a consciência de um simples fiel percebe de imediato e com absoluta certeza a decisão a tomar.
Isto é especialmente verdadeiro para obrigações negativas da lei moral, aquelas que exigem um “não fazer”, um “deixar de lado”. Mas de nenhuma maneira para estas somente. As obrigações fundamentais da lei moral baseiam-se essencialmente na natureza do homem e suas relações essenciais, e valem, por conseguinte em todas as partes nas quais se encontre o homem; as obrigações fundamentais da lei cristã, ultrapassando, portanto, as da lei natural, são baseadas na essência da ordem sobrenatural constituída pelo divino Redentor. Das relações essenciais entre o homem e Deus, entre o homem e o homem, entre cônjuges, entre pais e filhos; das relações essenciais de comunidade na família, na Igreja, no Estado, resulta, entre outras coisas, que o ódio a Deus, a blasfêmia, idolatria, a defecção da fé verdadeira, a negação da fé, o perjúrio, o assassinato, o falso testemunho, a calúnia, o adultério, a fornicação, o abuso do matrimônio, o pecado solitário, o furto e o roubo, a subtração do que é necessário à vida, a fraude no salário justo (Tg 5, 4), a monopolização de produtos alimentares de primeira necessidade e os aumentos injustificados dos preços, a falência fraudulenta, as manobras de especulações injustas: tudo isso é severamente proibido pelo Legislador divino. Não há nenhuma razão para duvidar. Seja qual for a situação do indivíduo, não há escolha senão obedecer.
Além disso, Nós opomos à ética da situação três considerações. A primeira: concedemos que Deus queira acima de tudo e sempre a intenção correta; mas esta não é suficiente. Ele quer também a boa obra. A segunda: não é permitido fazer o mal para que resulte o bem (Rom 3, 8). Mas esta ética age – talvez sem perceber – pelo princípio de que o fim santifica os meios. A terceira: pode haver circunstâncias nas quais o homem – especialmente o cristão – não possa ignorar que deve sacrificar tudo, até mesmo sua vida, para salvar sua alma. Todos os mártires nos lembram disso. E estes são muito numerosos mesmo ainda em nosso tempo. A mãe dos Macabeus e seus filhos, as santas Perpétua e Felicidade, apesar de seus recém nascidos, Maria Goretti e milhares de outros, homens e mulheres que a Igreja venera, teriam, portanto, contra a “situação” incorrido inutilmente ou até mesmo equivocando-se na morte sangrenta? Certamente que não, e eles, com seu sangue, são as testemunhas mais eloqüentes da verdade contra a “nova moral”.
O problema da formação da consciência
Onde não há regras absolutamente obrigatórias, independente de qualquer circunstância ou evento, a situação “de uma vez” em sua unidade exige, de fato, uma análise aprofundada para decidir quais as regras a serem aplicadas e como. A moral católica tratou sempre e com extensão este problema da formação da própria consciência com o exame prévio das circunstâncias do caso a ser resolvido. Tudo o que ela ensina fornece uma valiosa ajuda nas determinações da consciência tanto teóricas quanto práticas. Basta citar os ensinamentos, não superados, de Santo Tomás sobre a virtude cardeal da prudência e as virtudes a ela associadas (Suma Teológica, 2-2, q. 47-57). Suas explicações revelam um sentido da atividade pessoal e da realidade, que contém tudo o que é justo e positivo na ética segundo a “situação” e evita todas as confusões e distorções. Bastará, portanto, ao moralista moderno continuar na mesma linha, se quiser aprofundar os novos problemas.
A educação cristã da consciência está muito longe de esquecer a personalidade, inclusive dos jovens e crianças, e de eliminar sua iniciativa. Porque toda boa educação tende a tornar o educador mais desnecessário gradualmente e ao educando independente dentro dos justos limites. E isso também é verdade na educação da consciência por Deus e pela Igreja: o seu objetivo é, como diz o apóstolo (Ef 4, 13, cf. 4, 14) “um homem perfeito, à medida da plenitude de Cristo“. Portanto, o homem adulto, tem também o brio da responsabilidade.
É necessário apenas que esta maturidade se coloque no lugar certo! Jesus continua a ser o Senhor, o Chefe e o Mestre de cada homem de todas as idades e de todos os estados, através da sua Igreja, através da qual Ele continua a agir. O cristão, por sua vez, deve assumir o grave e grande compromisso de fazer valer em sua vida pessoal, em sua vida profissional e na vida social e pública, no que depender dele, a verdade, o espírito e a lei de Cristo. Esta é a moral católica, o que deixa um vasto campo aberto à iniciativa particular e à responsabilidade pessoal do cristão.
A nova moral traz grandes perigos para a juventude
Eis aqui o que eu nós quisemos dizer. Os perigos para a fé dos nossos jovens são hoje extraordinariamente numerosos. Todos sabiam e sabem, mas a vossa memória é particularmente instrutiva a este respeito. No entanto, acreditamos que poucos destes perigos são tão grandes e tão cheios de conseqüências como os que a “nova moral” traz para a fé. Os extravios a que tanto levam tais distorções como o enfraquecimento dos deveres morais, que fluem naturalmente de fé, terminariam com o tempo a corromper a própria fonte. Assim a fé morre.
Fé Orante e Sacrificada
De tudo o que Nós dissemos sobre a fé, vamos tirar duas conclusões, duas diretrizes que Nós queremos deixar no final, para que elas orientem e incentivem toda a vossa ação e toda a vossa vida de cristãs corajosas:
A primeira: a fé da juventude deve ser uma fé “orante”. A juventude deve aprender a orar. Que isso seja sempre na medida e forma que correspondam à sua idade. Mas sempre conscientes de que sem oração não é possível manter-se fiel à fé.
A segunda: a juventude deve ter orgulho de sua fé e aceitar que “custe” algo; ela deve se acostumar desde cedo a fazer sacrifícios por sua fé, a caminhar diante de Deus com uma consciência reta, a reverenciar Suas ordens. Então crescerão espontaneamente no amor de Deus.
Que a caridade de Deus, a graça de Jesus Cristo e a comunicação do Espírito Santo (2 Cor 13, 13) estejam com vocês todas é o que desejamos com o afeto mais paternal. E para testemunharmos isso damos de todo o coração a cada uma de vós e às vossas famílias, aos seus movimentos, a todas as suas ramificações mundo inteiro, a todas as vossas companheiras que a elas pertencem a Bênção Apostólica.
Papa Pio XII
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Original publicado na Acta Apostolica Sedis (AAS) vol. 44, página 413. Disponível aqui.
Notas:
(1) Discorsi e Radiomessaggi, IX, pag. 221-233.