quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

OS HOMENS, O BEM E O MAL

 

   

Há uns homens que fazem bem o mal, e outros que fazem mal o bem, e outros que fazem bem o bem. Os que fazem bem o mal são aqueles filhos do século que diz o Evangelho que buscam e acham meios oportunos para consumar a sua maldade, e para isso são mais prudentes que os filhos da luz em servir a Deus. Os que fazem mal o bem são os que servem a Deus, porém com mil imperfeições e negligência, como aquele Fariseu que jejuava duas vezes na semana e pagava dízimos de tudo, porém tinha disso vanglória. Os que fazem bem o bem são os que procuram quanto em si é esmerar-se no serviço de Deus, atendendo a seu maior agrado. Estes são os que saem de seu exame plenamente justificados: Qui custodierint justa juste, justificabuntur. 

    Eis aqui os mínimos da observância desprezados, onde vem a precipitar uma alma. Ninguém é perfeito e ninguém perverso de repente; o bem e o mal têm suas sementes pequeninas, que produzem frutos grandes, uns salutíferos, outros venenosos.

    Façamos a obra com vagar e repouso, e reprimindo os ímpetos de querer acabar. Que importa que se acabe, se for mal feita? Antes importa que não vá mal feita, ainda que não se acabe; e o que mais é, impossível que se acabe, tanto que não for bem feita. Porque onde a obra começou a não agradar a Deus, aí parou e não foi mais adiante quanto àquela parte viciada, qual fruta que por algum lado se tornou pêca. Não está o ponto em chegar ao cabo da obra, senão em que haja luta e resplandeça a obra pela perfeição dela. 

(...)

    Quem senão Deus poderá fazer todas as suas obras perfeitas sem preparação alguma? E contudo vemos que todas fez com sua preparação conveniente. A luz que criou no primeiro dia foi preparação do sol, que fez no quarto; as flores são preparação dos frutos; os vapores, preparação das nuvens; do mesmo modo, o sono de Adão foi preparação da formação de Eva: a chuva de orvalho todas as manhãs, preparação da chuva do Maná; a Lei Escrita, preparação da Lei da Graça; o nascimento do Batista, preparação da vinda de Cristo. E assim, nas mais obras da natureza ou da graça, se bem advertimos, sempre levam sua preparação antecedente, para nos ensinar Deus que se quisermos obrar com perfeição, devemos obrar com preparação.  


Fonte: As mais belas páginas de Bernardes. São Paulo, Edições Melhoramentos, 1966, pontos 344,345, 347 e 348

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário