sábado, 16 de julho de 2011

NOSSAS MISÉRIAS E NOSSAS GRANDEZAS






Valter de Oliveira




Quando eu era jovem fiz uma meditação – baseada nos Exercícios Espirituais de S. Inácio de Loyola – sobre a humildade. Lembro-me ainda hoje de uma frase de S. Bernardo:


“Que éramos? Nada. Que somos? Vaso de imundícies. Que seremos? Pasto de vermes”.


Mais ou menos na mesma época tive várias aulas sobre o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, escrito por S. Luis de Montfort. O objetivo era fazermos a Consagração à Virgem como a propunha o grande santo que ensina que, para sermos fiéis filhos de Maria temos que “despojar-nos do que há de mau em nós. E não é pouca coisa.

“Toda a nossa herança é orgulho e cegueira no espírito, endurecimento no coração, fraqueza e inconstância na alma, concupiscência, paixões revoltadas e doenças no corpo. Somos, naturalmente, mais orgulhosos que os pavões, mais apegados à terra que os sapos, mais feios que os bodes, mais invejosos que as serpentes, mais glutões que os porcos, mais coléricos que os tigres e mais preguiçosos que as tartarugas, mais fracos que os caniços, e mais inconstantes do que um catavento. Tudo que temos em nosso íntimo é nada e pecado, e só merecemos a ira de Deus e o inferno eterno”. (1)

Hoje, passados mais de 40 anos, ainda me recordo vivamente dessas leituras. Um leitor moderno talvez as julgue exageradas e pessimistas. Eram santos que teriam uma visão negativista do homem e do mundo...

Entretanto, um outro homem de Deus, bem próximo de nós, S. Josemaria Escrivá, homem de otimismo e bom humor nos diz:

“Teu maior inimigo és tu mesmo”

E ainda:

“Se és tão miserável, como estranhas que os outros tenham misérias?”

Finalmente:

“Não te aflijas por verem as tuas faltas. A ofensa a Deus e a desedificação que podes ocasionar, isso é o que deve afligir.

-De resto, que saibam como és e te desprezem. – Não tenhas pena de ser nada, porque assim Jesus tem que por tudo em ti”. (2).

Toda essa miséria, tão profunda, aflora ainda mais em nós cada vez que nos envolvemos em certas questões que exigem de nós verdadeiro espírito cristão para agirmos com prudência e fortaleza, justiça e caridade. Às vezes são momentos de crise. Uma crise “não deve ser escamoteada, seja ela de que nível for, sob pena de continuarmos escravos da menoridade. (...) Crise tem o significado de alteração. Seu sentido mais pleno é o da purificação”. (3)

Aí vemos como é difícil ser o que deveríamos ser.

Razão para pessimismo?

Nem de longe. Ferir-se faz parte da luta. Nosso despreparo não nos exime dela.

Nesses momentos, apesar de tudo, é preciso lembrar das palavras do primeiro Papa:

“... vós sois a Geração Eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo escolhido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. (4)

Em suma, somos nada, pouca coisa que Deus quer fazendo grandes coisas.

Afinal, somos filhos de Deus. De um Deus Menino que se encarnou por nós e nos ama infinitamente. Que não se cansa de nós. Que nos quer sempre a seu lado.

A gratidão para com Deus exige que abramos nossas almas. Assim nosso nada passa a ser tudo. E tudo passa a ser razão de alegria!


Notas:

1. S. Luis Maria Grignion de Montfort. Tratado da Verdadeira Devoção a Nossa Senhora, XI edição. Vozes, Petrópolis, 1981, p.84)

2. S. Josemaria Escrivá. Caminho, 225, 446, 597. Quadrante, São Paulo, 1995.

3. PAIVA, Vanildo de. Filosofia, Encantamento e Caminho, São Paulo, Paulus, 2002. p.38,39.

4. I Pedro 2:9

quinta-feira, 7 de julho de 2011

There Be Dragons - Official Trailer [HD]





Assinado por José Miguel Cejas
Data: 28 de março de 2011





No filme de Roland Joffe There Be Dragons, o cinema apresenta, pela primeira vez, a vida de São Josemaría Escrivá, fundador do Opus Dei. Apesar de não ser um filme biográfico sobre sua figura, o espectador se questiona até que ponto o personagem do filme reflete claramente o verdadeiro personagem. Perguntamos a Constantine Anchel, pesquisador do Centro de Documentação e Estudos Josemaria Escrivá de Balaguer, da Universidade de Navarra.

Charlie Cox como Josemaría


- Josemaría Escrivá é o único personagem real entre os protagonistas do filme There Be Dragons. Embora seja um filme de ficção, você acha que o roteiro de Roland Joffe reflete seu caráter e sua atuação durante os anos abrangidos pelo filme?
Charlie Cox e São Josemaría Escrivá


- Há outros personagens do filme que têm algum suporte histórico neste filme de ficção, por exemplo, os pais de Josemaría e alguns dos primeiros membros do Opus Dei, como Isidoro Zorzano, Juan Jiménez Vargas e Pedro Casciaro. Este filme reflete uma série de traços da personalidade de Escrivá, embora, é claro, ele foi muito mais rico e mais profundo do ponto de vista espiritual e humano. Na minha opinião, Joffe, como roteirista e diretor, está mais preocupado em mostrar o sentido da história e da figura do jovem fundador que para mostrar com detalhe este ou aquele evento. Nesse sentido, a visão oferecida corresponde fielmente à personalidade e aos ensinamentos de São Josemaria: o significado do perdão, o seu zelo pelas almas, etc. Evidentemente, é um drama épico, e não um filme biográfico sobre sua figura. Tem muitos aspectos que não são apresentados, mas isto é um filme. Não é um livro de história.

Rara equanimidade

- No filme temos a impressão de que São Josemaria não toma partido com a divisão que produziu a guerra civil. Qual atitude manteve, realmente, o fundador diante da Segunda República e ante a rebelião militar e a guerra?

- Sua atitude foi sempre verdadeiramente sacerdotal. Na Segunda República sua atitude foi muito semelhante à de muitos outros espanhóis de diferentes tendências. No começo estava a expectativa, mas o aspecto anticlerical de muitas das leis promulgadas desde o início do primeiro governo da República desgostou-o profundamente, como a tantos católicos. Esta situação é agravada pela inação das autoridades diante de muitas das atrocidades que ocorreram contra a Igreja. Por exemplo, no dia 13 maio de 1931, em Madri, diante do perigo da massa popular incendiar o edifício do Patronato dos Enfermos onde morava, teve que mudar de casa com sua mãe e irmãos para um apartamento que estava próximo na rua Viriato, como conta em seu diário íntimo (1). Perante estes fatos, o seu conselho era o mesmo que repetiu muitas vezes ao longo de sua vida: "rezar, perdoar, compreender e desculpar." Nesse sentido, o filme There be dragons reflete muito bem sua insistência na necessidade da compreensão e do perdão. Manteve essa mesma postura durante a guerra civil: ninguém que conviveu com ele durante os turbulentos anos se lembrou de ter ouvido qualquer comentário sobre isso, nem mesmo uma avaliação do papel político e militar de Franco. Por exemplo, José Luis Rodríguez-Candela, que dividiu moradia com o fundador da Legação de Honduras durante vários meses, deixou escrito: “Era assombrosa a sua equanimidade para julgar fatos que por sua gravidade afetavam profundamente a todos”. E acrescentava: “Nunca se pronunciou com ódios nem com rancor ao avaliar qualquer pessoa (...). Doía-lhe o que estava acontecendo (...). E quando os outros celebravam vitórias, dom Josemaria permanecia calado”. Todos se lembram de que desejava com todas as suas forças o fim da guerra e o fim das mortes e do ódio, e sempre pediu perdão e reconciliação. Um de seus biógrafos, Vázquez de Prada, conta que uma vez foi vê-lo uma pessoa cujos parentes foram assassinados pelos comunistas num matagal, na bifurcação de uma estrada. Explicou a dom Josemaria que queria erguer uma grande cruz naquele lugar, em memória dos seus familiares mortos. “Você não deve fazer isso”, disse, "porque te move o ódio, não a cruz de Cristo, mas a cruz do diabo "(2). Outra testemunha privilegiada daquela época foi Pedro Casciaro, um membro do Opus Dei, que era filho de um presidente provincial da Frente Popular. Casciaro conta em seu livro de memórias que Escrivá “Nunca conversava sobre política: queria e rezava pela paz e pela liberdade das consciências, desejava, com seu coração grande e aberto a todos, que todos voltassem e se aproximassem de Deus" ( 3).

- No filme há uma perseguição contra a Igreja Católica, com assassinatos de padres e leigos. Qual foi a atitude de São Josemaria ante esses fatos?

- Sentia uma dor profunda, sempre cheia de perdão. Quando era um refugiado numa casa da rua Sagasta deram-lhe a notícia, como anotou em seu diário Manuel Sainz-los Terreros - do assassinato de um amigo especial, Don Pedro Poveda, fundador do Teresiano, o que lhe causou uma grande dor . Sua reação foi sempre profundamente sobrenatural.

O perdão e a reconciliação

- O filme é uma história de perdão e reconciliação. Será que São Josemaría teve uma maneira especial de viver estas virtudes em eventos na sua vida?

- Sim, porque, como muitos fundadores e pessoas que desbravaram novos caminhos na vida da Igreja, ele sofreu inúmeras incompreensões nos primeiros anos do Opus Dei, especialmente no início dos anos quarenta, na atmosfera rarefeita de sociedade espanhola após a guerra. Sua resposta a esses equívocos foi sempre o perdão. O cardeal Julian Herranz, que conviveu com ele durante muitos anos, relata em seu livro de memórias Deus e audácia que um dia, após sair de uma recepção num lugar de Roma, se encontrou com uma pessoa que o tinha difamado durante anos. Estava chovendo e são Josemaría se aproximou para perguntar se ele tinha meios para ir para sua casa. Esta pessoa disse que não, e o fundador se ofereceu para levá-lo de carro, junto com outro conhecido. Quando o deixaram em casa, esse conhecido disse friamente: - Não o entendo, Padre, esse senhor é uma das pessoas que mais o tem caluniado... E leva-o a sua casa, tão feliz! - Sim, sinto-me feliz, respondeu, porque Deus me deu a oportunidade de viver a caridade de Cristo (3).

- Há momentos no filme que aparece Josemaria mergulhado na dúvida. Foi assim mesmo? Por qual motivo?

- Suponho que se refere aos momentos de dúvida na ermida de Pallerols, na fuga pelos Pireneus. São Josemaria, novamente, naqueles momentos teve as mesmas dúvidas que já havia experimentado em Madri, antes de iniciar essa jornada. O que devia fazer? Manter-se em Madri, onde vivia sua mãe, seus irmãos e alguns membros do Opus Dei, ou tentar passar ao outro lado, onde pudesse exercer livremente o seu ministério sacerdotal, e onde também havia outros membros do Opus Dei para atendê-los espiritualmente? Mais que a incerteza que supunha essa saída clandestina, o que lhe preocupava era saber se estava cumprindo ou não a vontade de Deus. Naquelas circunstâncias, fez algo que nunca fez: pediu um sinal a Deus.

E reconheceu esse “sinal” em uma rosa de madeira estofada (ou dourada, segundo o site: http://www.pt.josemariaescriva.info/artigo/festa-do-encontro-da-rosa), que provavelmente vinha de um retábulo da Virgem, que encontrou entre os destroços daquela ermida (4). No meu parecer, Joffe conseguiu expressar esse episódio com grande vivacidade, numa das sequências mais bonitas e bem-sucedidas do filme.


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Notas
(1) Notas íntimas, n. 202, 20-V-1931, já citada em Vázquez de Prada, A., O Fundador do Opus Dei. A vida de Josemaría Escrivá de Balaguer, vol. I, Rialp, Madrid (1997), p. 359.

(2) Vázquez de Prada, A., O Fundador do Opus Dei. A vida de Josemaría Escrivá de Balaguer, vol. II, Rialp, Madrid (2002), p. 383.

(3) Herranz, J., Deus e audácia, Rialp, Madrid (2011).

(4) Vázquez de Prada, cit., A., vol. II, cap. X.


Padre, soy judía



O video que motivou Roland Joffé a dirigir o filme "There Be Dragons"
(duração: 2:15 min)


O senhor tinha ideias sobre o modo de apresentar a guerra civil espanhola ou sobre alguns personagens, como São Josemaría Escrivá?

Roland Joffé: Eu não sabia muito sobre Josemaría antes de que me pedissem para gravar o filme. Foi assim que aconteceu: um dia, um dos produtores do filme veio à Holanda para me convencer de que o fizesse. Trazia livros e materiais, incluído um DVD sobre Josemaría. Tivemos uma refeição muito agradável e, regressando a casa, a pé, pensava: “Não tenho vontade de fazer este filme. Tenho outro projeto ambientado na Índia e trabalhei muito para alcançá-lo”. Então eu pensava em rejeitá-lo. Era uma noite de verão, de modo que saí ao jardim, com uma taça de vinho na mão, pus o DVD no leitor e me sentei diante do computador para escrever uma breve carta que dizia: “Querido X, muito obrigado. Aprecio que tenha empreendido toda esta viagem, mas penso que verdadeiramente você deveria buscar em outro lugar”. Enquanto isso, o DVD continuava funcionando. Um momento da narração chamou minha atenção: Josemaría se dirigia a uma multidão, no Chile, talvez, ou na Argentina, não estou seguro do lugar, e uma jovem levanta a mão e diz: “Tenho uma pergunta, sou judia”. E Josemaría responde: “Sim, diga-me, por favor”. Ela acrescenta: “Meu mais fervente desejo é me converter ao catolicismo”. Josemaría: “É?” Ela continua dizendo: “Mas sou menor de idade e meus pais não me permitem”. Josemaría responde prontamente: “Seja muito boa com seus pais. Tenha paciência e reze. Não demonstre nenhum gesto de revolta. Está claro? Ame muito os seus pais [...] e jamais uma palavra de crítica a eles. Ame-os com toda alma. E demonstre-o com os fatos. De acordo? Será uma boa filha de Cristo se for uma boa filha de seus pais”. Ao ver esse momento do vídeo, dizia-me: “Que momento maravilhoso! Que momento inesperado, e sobretudo vindo de uma organização da qual todo o mundo esperaria que dissesse o contrário”. Estava lhando para meu computador e dizia: “Espere um momento”. Desliguei o DVD. Deixei de escrever a carta. Pus o chapéu de diretor de cinema e escrevi uma cena, em que Josemaría aparece com um homem, a ponto de morrer, a quem já conhecia, que lhe diz que é judeu e que seu sonho era se converter. Escrevi a cena do começo ao fim, sem deixar de pensar: “tenho realmente vontade de ver isso num filme. Mas não verei nunca, se não fizer o filme, verdade? Ou marcarei esta cena em outro filme?” No lugar da primeira carta, escrevi: “Querido X, estou verdadeiramente interessado neste projeto, com a condição de dispor de toda a liberdade de criação para fazê-lo como quiser, e se você aceitar o fato de que não sou muito brilhante e que farei o melhor possível, mas que tenho de seguir minha própria verdade. Se você estiver de acordo, gostaria verdadeiramente de realizar este projeto”. Isso é mais ou menos o que aconteceu. Eu não tinha nenhuma ideia preconcebida sobre Josemaría. Tinha escutado algo sobre ele, mas sobretudo foi essa passagem do DVD que suscitou meu interesse em realizar o filme.