quinta-feira, 7 de julho de 2011





Assinado por José Miguel Cejas
Data: 28 de março de 2011





No filme de Roland Joffe There Be Dragons, o cinema apresenta, pela primeira vez, a vida de São Josemaría Escrivá, fundador do Opus Dei. Apesar de não ser um filme biográfico sobre sua figura, o espectador se questiona até que ponto o personagem do filme reflete claramente o verdadeiro personagem. Perguntamos a Constantine Anchel, pesquisador do Centro de Documentação e Estudos Josemaria Escrivá de Balaguer, da Universidade de Navarra.

Charlie Cox como Josemaría


- Josemaría Escrivá é o único personagem real entre os protagonistas do filme There Be Dragons. Embora seja um filme de ficção, você acha que o roteiro de Roland Joffe reflete seu caráter e sua atuação durante os anos abrangidos pelo filme?
Charlie Cox e São Josemaría Escrivá


- Há outros personagens do filme que têm algum suporte histórico neste filme de ficção, por exemplo, os pais de Josemaría e alguns dos primeiros membros do Opus Dei, como Isidoro Zorzano, Juan Jiménez Vargas e Pedro Casciaro. Este filme reflete uma série de traços da personalidade de Escrivá, embora, é claro, ele foi muito mais rico e mais profundo do ponto de vista espiritual e humano. Na minha opinião, Joffe, como roteirista e diretor, está mais preocupado em mostrar o sentido da história e da figura do jovem fundador que para mostrar com detalhe este ou aquele evento. Nesse sentido, a visão oferecida corresponde fielmente à personalidade e aos ensinamentos de São Josemaria: o significado do perdão, o seu zelo pelas almas, etc. Evidentemente, é um drama épico, e não um filme biográfico sobre sua figura. Tem muitos aspectos que não são apresentados, mas isto é um filme. Não é um livro de história.

Rara equanimidade

- No filme temos a impressão de que São Josemaria não toma partido com a divisão que produziu a guerra civil. Qual atitude manteve, realmente, o fundador diante da Segunda República e ante a rebelião militar e a guerra?

- Sua atitude foi sempre verdadeiramente sacerdotal. Na Segunda República sua atitude foi muito semelhante à de muitos outros espanhóis de diferentes tendências. No começo estava a expectativa, mas o aspecto anticlerical de muitas das leis promulgadas desde o início do primeiro governo da República desgostou-o profundamente, como a tantos católicos. Esta situação é agravada pela inação das autoridades diante de muitas das atrocidades que ocorreram contra a Igreja. Por exemplo, no dia 13 maio de 1931, em Madri, diante do perigo da massa popular incendiar o edifício do Patronato dos Enfermos onde morava, teve que mudar de casa com sua mãe e irmãos para um apartamento que estava próximo na rua Viriato, como conta em seu diário íntimo (1). Perante estes fatos, o seu conselho era o mesmo que repetiu muitas vezes ao longo de sua vida: "rezar, perdoar, compreender e desculpar." Nesse sentido, o filme There be dragons reflete muito bem sua insistência na necessidade da compreensão e do perdão. Manteve essa mesma postura durante a guerra civil: ninguém que conviveu com ele durante os turbulentos anos se lembrou de ter ouvido qualquer comentário sobre isso, nem mesmo uma avaliação do papel político e militar de Franco. Por exemplo, José Luis Rodríguez-Candela, que dividiu moradia com o fundador da Legação de Honduras durante vários meses, deixou escrito: “Era assombrosa a sua equanimidade para julgar fatos que por sua gravidade afetavam profundamente a todos”. E acrescentava: “Nunca se pronunciou com ódios nem com rancor ao avaliar qualquer pessoa (...). Doía-lhe o que estava acontecendo (...). E quando os outros celebravam vitórias, dom Josemaria permanecia calado”. Todos se lembram de que desejava com todas as suas forças o fim da guerra e o fim das mortes e do ódio, e sempre pediu perdão e reconciliação. Um de seus biógrafos, Vázquez de Prada, conta que uma vez foi vê-lo uma pessoa cujos parentes foram assassinados pelos comunistas num matagal, na bifurcação de uma estrada. Explicou a dom Josemaria que queria erguer uma grande cruz naquele lugar, em memória dos seus familiares mortos. “Você não deve fazer isso”, disse, "porque te move o ódio, não a cruz de Cristo, mas a cruz do diabo "(2). Outra testemunha privilegiada daquela época foi Pedro Casciaro, um membro do Opus Dei, que era filho de um presidente provincial da Frente Popular. Casciaro conta em seu livro de memórias que Escrivá “Nunca conversava sobre política: queria e rezava pela paz e pela liberdade das consciências, desejava, com seu coração grande e aberto a todos, que todos voltassem e se aproximassem de Deus" ( 3).

- No filme há uma perseguição contra a Igreja Católica, com assassinatos de padres e leigos. Qual foi a atitude de São Josemaria ante esses fatos?

- Sentia uma dor profunda, sempre cheia de perdão. Quando era um refugiado numa casa da rua Sagasta deram-lhe a notícia, como anotou em seu diário Manuel Sainz-los Terreros - do assassinato de um amigo especial, Don Pedro Poveda, fundador do Teresiano, o que lhe causou uma grande dor . Sua reação foi sempre profundamente sobrenatural.

O perdão e a reconciliação

- O filme é uma história de perdão e reconciliação. Será que São Josemaría teve uma maneira especial de viver estas virtudes em eventos na sua vida?

- Sim, porque, como muitos fundadores e pessoas que desbravaram novos caminhos na vida da Igreja, ele sofreu inúmeras incompreensões nos primeiros anos do Opus Dei, especialmente no início dos anos quarenta, na atmosfera rarefeita de sociedade espanhola após a guerra. Sua resposta a esses equívocos foi sempre o perdão. O cardeal Julian Herranz, que conviveu com ele durante muitos anos, relata em seu livro de memórias Deus e audácia que um dia, após sair de uma recepção num lugar de Roma, se encontrou com uma pessoa que o tinha difamado durante anos. Estava chovendo e são Josemaría se aproximou para perguntar se ele tinha meios para ir para sua casa. Esta pessoa disse que não, e o fundador se ofereceu para levá-lo de carro, junto com outro conhecido. Quando o deixaram em casa, esse conhecido disse friamente: - Não o entendo, Padre, esse senhor é uma das pessoas que mais o tem caluniado... E leva-o a sua casa, tão feliz! - Sim, sinto-me feliz, respondeu, porque Deus me deu a oportunidade de viver a caridade de Cristo (3).

- Há momentos no filme que aparece Josemaria mergulhado na dúvida. Foi assim mesmo? Por qual motivo?

- Suponho que se refere aos momentos de dúvida na ermida de Pallerols, na fuga pelos Pireneus. São Josemaria, novamente, naqueles momentos teve as mesmas dúvidas que já havia experimentado em Madri, antes de iniciar essa jornada. O que devia fazer? Manter-se em Madri, onde vivia sua mãe, seus irmãos e alguns membros do Opus Dei, ou tentar passar ao outro lado, onde pudesse exercer livremente o seu ministério sacerdotal, e onde também havia outros membros do Opus Dei para atendê-los espiritualmente? Mais que a incerteza que supunha essa saída clandestina, o que lhe preocupava era saber se estava cumprindo ou não a vontade de Deus. Naquelas circunstâncias, fez algo que nunca fez: pediu um sinal a Deus.

E reconheceu esse “sinal” em uma rosa de madeira estofada (ou dourada, segundo o site: http://www.pt.josemariaescriva.info/artigo/festa-do-encontro-da-rosa), que provavelmente vinha de um retábulo da Virgem, que encontrou entre os destroços daquela ermida (4). No meu parecer, Joffe conseguiu expressar esse episódio com grande vivacidade, numa das sequências mais bonitas e bem-sucedidas do filme.


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Notas
(1) Notas íntimas, n. 202, 20-V-1931, já citada em Vázquez de Prada, A., O Fundador do Opus Dei. A vida de Josemaría Escrivá de Balaguer, vol. I, Rialp, Madrid (1997), p. 359.

(2) Vázquez de Prada, A., O Fundador do Opus Dei. A vida de Josemaría Escrivá de Balaguer, vol. II, Rialp, Madrid (2002), p. 383.

(3) Herranz, J., Deus e audácia, Rialp, Madrid (2011).

(4) Vázquez de Prada, cit., A., vol. II, cap. X.


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