Imigrantes
pobres e os “nossos” pobres
Ainda que as nações ocidentais
olhem com crescente preferência para os imigrantes mais bem-educados e
altamente qualificados, a Doutrina Social da Igreja incita-nos a manter os
nossos olhos fixos nos pobres. Estudos confirmam que os benefícios econômicos
para os migrantes pobres são inegavelmente grandes, com aumentos substanciais
nos seus rendimentos apenas por atravessarem a fronteira. O fato de este
benefício reverter para os imigrantes com efeitos relativamente pequenos no
curto-prazo sobre os trabalhadores nativos (e efeitos ainda menores no
longo-prazo) é um puzzle – um puzzle que talvez apenas os economistas consigam
apreciar na sua totalidade. Explorando-o, podemos ver mais claramente o retorno
humano da imigração: os grandes benefícios econômicos para os imigrantes pobres
são um indicador e coincidem com os grandes benefícios não-económicos da
imigração.
O Prêmio do
Local
Consideremos as seguintes
estatísticas de Kennan (2013)[14]:
· Um trabalhador filipino, educado nas Filipinas e a trabalhar nos EUA, ganha quatro vezes mais do que um filipino com a mesma educação que permaneça nas Filipinas.
· Um
trabalhador mexicano, educado no México e a trabalhar nos EUA, ganha duas vezes
e meia mais do que um mexicano com a mesma educação que permaneça no México.
Encontramos estas diferenças por
todos os países que enviam imigrantes para a Europa e para os EUA: a mesma
pessoa, com a mesma educação no país de origem, pode ganhar muito mais num país
desenvolvido do que em casa.
As caraterísticas dos imigrantes
relativamente àqueles que ficam em casa não conseguem explicar diferenças desta
dimensão (Clemens 2011). A educação não explica esta diferença uma vez que
tanto os emigrantes como aqueles que ficam são educados no país de origem, nem
as barreiras ao comércio são suficientemente severas para a explicar. Talvez as
diferenças na remuneração reflitam algo mais do que diferenças na
produtividade. Talvez os trabalhadores mexicanos sejam igualmente produtivos no
México e nos EUA, mas recebam simplesmente muito menos no México. Contudo, isto
não é plausível porque o investimento capital e o comércio (ao contrário do
trabalho) move-se com relativa facilidade entre fronteiras. Se os trabalhadores
no México fossem tão produtivos como os trabalhadores mexicanos nos EUA mas
recebessem muito menos, então a procura por trabalhadores mexicanos para
trabalhar no México seria grande e com tendência para aumentar; os
investimentos no México seriam mais rentáveis; e estes lucros mais elevados seriam
tão persistentes como as diferenças salariais. Mas este não parece ser o caso.
Os retornos ao capital são praticamente iguais entre os países (Caselli and
Feyrer, 2007) e não há uma escassez constante de trabalhadores no mundo em
desenvolvimento.
Há alguma coisa no país de
origem que faz com que o mesmo trabalhador seja menos produtivo em casa do que
no estrangeiro. O mesmo trabalhador filipino é quatro vezes mais produtivo nos
EUA do que no país de origem. O mesmo trabalhador mexicano é duas vezes e meia
mais produtivo nos EUA do que no México. Há alguma coisa nos países de origem
que faz com que os trabalhadores sejam menos produtivos lá, mas que não reduz
da mesma forma a produtividade marginal do investimento de capital nesses
países. A explicação técnica para esta disparidade encontra-se no conceito de
“produtividade acrescentada do trabalho” no mundo desenvolvido (Kennan 2013, p.
L2). Clemens et al. (2008) chama a isto o “Prémio do Local” (Place Premium),
embora do ponto de vista do país de origem sejam mais uma “Penalização do
Local” sobre o trabalho.
O que explica esta
“penalização”? Os culpados mais óbvios são as políticas económicas e as
instituições dos países de origem que suprimem a produtividade do trabalho
(Olson 1996; Clemens 2011). Nos países em desenvolvimento é difícil começar
novas empresas e protegê-las da apropriação pelos poderosos e pelos que têm
ligações políticas. A justiça e o estado de direito são aplicados de forma
desigual. Em poucas palavras, os trabalhadores e os empreendedores não
conseguem tirar o máximo partido das oportunidades que se apresentam. Os seus
países de origem dão-lhes poucas oportunidades para exercerem a sua iniciativa
económica e empregarem as suas competências[15].
Se um trabalhador se torna mais
produtivo simplesmente porque se muda para os EUA ou Europa, então os
benefícios económicos potenciais para a imigração são enormes – muito maiores
que os benefícios do comércio livre, ou de mais educação ou do livre movimento
de capitais (Clemens 2011)[16].
São trilhões de dólares de benefícios para os trabalhadores pobres que estão em
causa.
O “prêmio do local” coloca o
trabalho humano e o empreendimento humano no centro da política de imigração.
Um trabalhador que imigra para os EUA recebe bem mais do que um aumento no
rendimento: não é por acaso que recebe mais dinheiro. Salários mais elevados
refletem uma maior produtividade, logo o trabalhador produz mais e contribui
mais. No país de origem, o trabalhador não é roubado do seu salário, mas sim
pago de acordo com a baixa produtividade. A produtividade pode ser tão baixa
que os trabalhadores no seu país de origem podem estar a trabalhar em condições
desumanas. Os trabalhadores são privados da sua produtividade e têm de emigrar
para se aperceberem disso.
Para usar a linguagem da
Doutrina Social da Igreja, ao migrar para países desenvolvidos os migrantes
pobres não “têm” apenas mais rendimento: este “ter” reflete a sua capacidade
para “ser” mais – mais produtivo, mais criativo, mais responsável por si próprio
tanto dentro como fora da força de trabalho. Os seus salários baixos nos países
de origem refletem uma falta de “ser” tanto como uma falta de “ter”. Na Laborem
exercens, o Papa João Paulo II afirmou que “o trabalho humano (…) é a chave
essencial para a questão social” (LE, 3). Através do trabalho, o homem
realiza-se enquanto pessoa, desenvolve-se e contribui para a sua comunidade. O
grande benefício do trabalho para a pessoa humana e para a comunidade humana
reforça o “direito à iniciativa económica”, o terceiro argumento para o direito
a migrar discutido anteriormente. A negação deste direito conduz muitos a
“optar pela não participação na vida nacional” e a emigrar (LE, 15), o que gera
uma pobreza que não é puramente económica:
E os «pobres» aparecem sob variados aspectos; (…) aparecem, em muitos casos, como um resultado da violação da dignidade do trabalho humano: e isso, quer porque as possibilidades do trabalho humano são limitadas — e há a chaga do desemprego — quer porque são depreciados o valor do mesmo trabalho e os direitos que dele derivam (…). (LE, 9)
O “prêmio do local”, e a
supressão da iniciativa econômica que ele reflete, coloca o retorno humano da
imigração numa perspetiva muito clara. Muitos pensam nos benefícios da
imigração para os imigrantes como uma espécie de redistribuição do rendimento
mundial – com os países ricos a darem alguma da sua riqueza aos imigrantes. Mas
a economia da imigração sugere que isto não é verdade. Em vez disso, o que está
a acontecer é muito mais significativo do ponto de vista moral. O movimento dos
imigrantes de países onde a sua iniciativa económica é suprimida para países
onde podem ser mais produtivos é uma expansão de oportunidades, não uma
redistribuição de rendimentos. O Papa Francisco exorta os países desenvolvidos
a acolherem os migrantes e a garantirem que estes “têm o poder de realizar o
seu potencial como seres humanos, em todas as dimensões que constituem a
humanidade desejada pelo Criador” (WDMR, 2018). O enorme aumento nos
rendimentos está intimamente ligado ao “empoderamento” dos trabalhadores
imigrantes.
Observação: os destaques em itálico foram inseridos pelo claravalcister.
Notas da parte 4
[14] Tabela 1, quarta e quinta colunas. Kennan
retira as suas estimativas de Clemens et al. (2008).
[15] Existem evidências económicas abundantes
neste ponto. Contudo, talvez mais convincente que os livros e os artigos de
revistas académicas que têm sido escritos sobre o tema é esta Ted talk que
narra a experiência pessoal de Magatte Wade e daqueles que ela tenta empregar
no Senegal: https://www.ted.com/talks/magatte_wade_why_it_s_too_hard_to_start_a_business_in_africa_and_how_to_change_it
[16] Clemens (2011) estima que “a emigração de
menos de 5% da população das regiões pobres traria ganhos globais superiores
aos ganhos resultantes da eliminação total de todas as barreiras ao comércio de
mercadorias e de todas as barreiras aos fluxos de capital” (p. 84). Ver Keennan
(2013, 2017) para efeitos estimados igualmente grandes.