Um filme recente, chamado “Bella”, trata de dois personagens com as seguintes caracte

rísticas: uma mulher jovem, com um mau futuro – no mesmo dia em que é despedida, descobre que está grávida e que o pai da criança não querer assumi-la –; e um colega de trabalho, o chef do restaurante, com um mau passado – atropelou acidentalmente e matou uma menina, quando estava em alta como jogador de futebol–. Ambos perderam as esperanças na vida. A moça decide abortar e procurar um emprego; o chef passa a ajudá-la, tentando convencê-la a ter a criança. Uma havia cancelado os sonhos, o outro não conseguia apagar os erros. Graças à amizade que passa a uni-los, ela recupera o sonho, ele obtém a reparação. Ambos voltam a ter esperança.
“Fomos salvos pela esperança” (Rom. 8, 24). Daí tirou o Papa Bento XVI o título da sua segunda encíclica:
“Salvos pela esperança”. Isso é algo muito sério. Pressupõe alguém a ser salvo, num estado que exige salvação e algo que realmente salva.
O QUE É A ESPERANÇA?A esperança é a virtude que tem por objeto o bem futuro, árduo e possível de ser conquistado através do auxílio divino. Esse bem há de ser amado (querido intensamente) por aquele que espera, ou não haverá esperança. Esperar o que não se ama é ter medo.
Ela é virtude porque torna boa a ação do homem e está adequada à reta razão.Teologal porque tem a Deus por causa eficiente primeira (o homem esperançoso apóia-se no seu auxílio) e causa final última (o homem esperançoso alcançará a fruição da bem-aventurança eterna).
O Papa vai além: a esperança cristã só pode ser Deus. Deus caritas est, Deus spes est.
O objeto da esperança é a vida eterna. Esse é o bem a ser amado e buscado. Merece o envolvimento de toda uma existência. Para tentar vislumbrar o significado de vida eterna, podemos
“tratar de sair com o nosso pensamento da temporalidade à que estamos sujeitos e augurar de algum modo que a eternidade não seja um contínuo suceder-se dos dias do calendário, mas sim como o momento pleno de satisfação, no qual a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade. Seria o momento de submergir no oceano do amor infinito, no qual o tempo – o antes e o depois – já não existe.” (Spe salvi).
Transbordados pela alegria. Coisa que só é possível em Deus e na vida eterna. Aqui na terra não se consegue. Fanny Flagg expressou a efemeridade e a limitação da alegria telúr

ica numa passagem marcante do seu livro
“Welcome to this world, baby girl”. Situa a cena no final da primeira metade do século XX, no interior dos Estados Unidos, a “América profunda”. Descreve uma família, após o jantar. O marido e a mulher conversam, o rádio toca uma música suave, as crianças brincam no alpendre que dá para a rua. Tépida é a noite. Ali e acolá, ao longo da rua, as pessoas conversam em frente às casas, aproveitando as horas de descanso que sucedem a jornada de trabalho e antecedem o sono. A guerra acabou. As feridas cicatrizam. Em dado momento, a esposa se cala, recolhe-se em si mesma e pensa: “Como estou feliz”. Em seguida, uma leve ruga se forma no seu rosto: “Mas, e quando isto acabar?” Porque subitamente tomou consciência de que, mais cedo ou mais tarde, o marido morreria, as crianças cresceriam e iriam embora, a casa ficaria vazia e silenciosa, e a cidade se desfiguraria. Os seus receios acabaram por cumprir-se, um a um. São os dois fardos da alegria antes do Céu: o temor de que acabe e a mistura da dor. A esperança ajuda a mitigar essa consideração. Haverá uma alegria sem fim.
CARACTERÍSTICAS DA ESPERANÇAA esperança é a virtude que faz caminhar (em direção a uma meta: a outra vida). Todos caminham ou são levados a caminhar pelo tempo que não para. E, do ponto de vista meramente terreno, caminham para o declínio, o fim, a morte. Segundo a triste afirmação de Karen Blixen, a vida é uma máquina de transformar cãezinhos simpáticos e gorduchos em cachorros decrépitos e sarnentos. Eis uma consideração que pode gerar desespero em quem não tem esperança.
O caráter dessa virtude teologal é performativo, isto é, plasma de modo novo a nossa vida. Influencia o nosso modo de pensar, amar, querer, sentir, atuar... estar no mundo. Aposta num futuro que muda o presente. Ajuda a enfrentar o que há de amargo no agora (o que há de doce, também é esperança: “se isso já é tão bom aqui, imagine o Céu!”).
O primeiro elemento da esperança é o
otimismo (certus an, incertus quando: sei que virá, só não sei quando). Não há esperança pessimista. Porque a essência da esperança é que alcançaremos no futuro uma vida muito melhor que a atual. O que vive de esperança não se instala no presente, antes caminha para o porvir transformador. O otimismo da esperança leva-nos a crescer, que é o melhor modo de aproveitar o tempo. O nosso crescimento é irrestrito, em todos os campos da existência humana.
O segundo elemento da esperança é a
convicção de que o advento do futuro depende do atuar humano. A esperança exige uma tarefa, que comporta um compromisso íntimo. Antes de tudo, o que temos de melhorar somos nós mesmos. O futuro só será melhor se cada um de nós crescer. Essa tarefa está cercada de riscos, é uma aventura épica. Uma aventura não isolada, pois há sempre os outros: como ajudantes nossos, ou como destinatários dos nossos esforços. Um dos outros, o Outro, é Deus. Ele nos encarrega da tarefa e está mais interessado no seu êxito do que nós. É o Amigo por excelência, a quem sempre podemos recorrer. Depois estão os outros seres humanos. A esperança cria a solidariedade.
A esperança nos torna virtuosamente destemidos, corajosos. E por quê? Porque a esperança nos faz considerar que o importante é cumprir a Vontade de Deus na nossa vida. Esse cumprimento muitas vezes esbarrará em dificuldades. Algumas dessas dificuldades – como o sofrimento e a dor – nos causam medo . A esperança nos leva a uma gradação com relação ao sofrimento e à dor, na medida em que são queridos por Deus e nos farão bem: aceitar, resignar-se, simpatizar, amar. Isso desarma o medo.
A
spes exige de nós paciência e constância (partes da
fortaleza): perseverança: Hypomone: saber esperar, suportando pacientemente as provas, condição para obter as coisas prometidas. Contra spem, spe (Rom, 4, 18). É o título do livro-depoimento-contestação de Armando Valladares. Preso político na Cuba de Fidel Castro, o seu caso foi piorando de prisão a prisão. Um homem sem esperança terrena, mas com muita esperança sobrenatural. Embora silenciado pela mídia pró-Cuba, ele venceu.
A esperança supera o mundo bidimensional. Quem faz a opção pela vida animal, tem uma série de deleites, especialmente se tem dinheiro e condições de desfrutar os prazeres, o sossego, o domínio; mas acaba por desiludir-se e ver-se escravo disso. Mais cedo ou mais tarde, cai na aporia
(1)A esperança termina no Céu: aquilo que se vê, não pode ser esperado. O objeto da esperança é a bem-aventurança eterna enquanto possível de ser alcançada. Uma vez alcançada, a esperança cumpre o seu papel e chega ao seu termo. Este é sentido da esperança como a última que morre. Ela é o nosso Virgílio, que nos leva a Beatriz e sai de cena.
A esperança causa alegria. Spe gaudentes Rom 12, 12. Acena-nos com a perpétua felicidade.
OUTRAS VISÕES
A esperança é verde.
(2) O verde é a cor da natureza. Na natureza, as criaturas, ao viverem, cumprem um plano e rumam para uma meta. Serena e inexoravelmente. Olhar para o verde descansa e dá paz. O verde é o melhor pano de fundo. A esperança-verde descansa, dá paz e é o melhor pano de fundo da nossa vida: ainda não e todavia já.
A esperança é épica: necessita de heroísmo, de intensidade ou grandeza fora do comum. Ulisses comprometido na volta a Ítaca, onde o espera Penélope. Ambos são heróicos, ambos têm esperança-épica.
A esperança é representada por uma âncora, sinal da firmeza, da segurança. O nosso coração está ancorado no Trono de Deus. A esperança-âncora dá estabilidade à nossa trajetória terrena. Nunca somos tão fortes como quando nos fiamos só de Deus.
ENCONTRANDO A SAÍDAO homem é redimido pelo amor. A nossa esperança é encontrar um amor perfeito. Não importa o lugar ou as circunstâncias, o importante é que não tenha fim. Os dois personagens de Bella, através de Bella, encontram o amor e a esperança, e servem como metáfora ou imagens do amor e da esperança cristãos.
A última coisa que sai da caixa de Pandora é a esperança.
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Paulo Oriente Franciulli é Professor de Deontologia Jurídica no IICS Instituto Internacional de Ciências Sociais, São PauloNotas do blog1. (dificuldade, de ordem racional, que parece decorrer exclusivamente de um raciocínio ou do conteúdo dele. – Conflito ente opiniões, contrárias e igualmente concludentes, em resposta a uma mesma questão).2. “O verde (...) é uma cor tranqüilizadora, refrescante, humana. A cada primavera ...a terra... se reveste de um novo manto verde que traz de volta a esperança e ao mesmo tempo volta a ser nutriz”.Também na simbologia oriental “é a cor da esperança, da força, da longevidade (...) É a cor da imortalidade simbolizada pelos ramos verdes.DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS, Jean Chevalier, Alain Gheerbrant. 7ª edição, Rio de Janeiro, José Olympio, 1993. p. 939-940.