terça-feira, 6 de setembro de 2011

O PAPA E A TRISTE DIVISÃO DOS CATÓLICOS












Valter de Oliveira



Em 12 de março de 2009 o Papa Bento XVI enviou aos bispos do mundo carta na qual explicava as razões “da remissão da excomunhão aos quatro bispos consagrados pelo arcebispo Lefebvre” em 1988. Carta necessária porque a atitude do pontífice “por várias razões suscitou, dentro e fora da Igreja Católica, uma discussão de tal veemência como desde há muito não se tinha experiência”.

O objetivo do artigo de hoje não é a discussão sobre o movimento tradicionalista ou da atitude da Santa Sé a propósito dele. Queremos discutir apenas um ponto destacado na carta: a surpresa do Papa que, ao dar um passo no sentido da reconciliação, viu se desencadear contra ele “uma avalanche de protestos cujo azedume revelava feridas que remontavam mais além do momento”. Tudo porque, devido ao episódio Williamson, “o gesto discreto de misericórdia (...) apareceu como algo completamente diverso: como um desmentido da reconciliação entre cristãos e judeus”. A esse propósito o Papa conta como sentiu as críticas:


"Fiquei triste pelo fato de inclusive católicos, que no fundo poderiam saber melhor como tudo se desenrola, se sentirem no dever de atacar-me e com uma virulência de lança em riste."


Quem teria atacado Bento XVI “de lança em riste”? Não sabemos. Não creio ser temerário supor que devem ser pessoas de alta autoridade na Igreja. Tampouco devem ter sido apenas alguns.

O que nos importa aqui, como já dissemos, é como de tais ataques a carta aproveita para mostrar aos católicos a necessidade de nossa união e da compreensão das prioridades da missão do Santo Padre e da Igreja.

A primeira prioridade para o Sucessor de Pedro foi fixada pelo Senhor, no Cenáculo, de maneira inequivocável: «Tu (…) confirma os teus irmãos» (Lc 22, 32). (...) a prioridade que está acima de todas é tornar Deus presente neste mundo e abrir aos homens o acesso a Deus. Não a um deus qualquer, mas àquele Deus que falou no Sinai; àquele Deus cujo rosto reconhecemos no amor levado até ao extremo (cf. Jo13, 1) em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. O verdadeiro problema neste momento da nossa história é que Deus possa desaparecer do horizonte dos homens e que, com o apagar-se da luz vinda de Deus, a humanidade seja surpreendida pela falta de orientação, cujos efeitos destrutivos se manifestam cada vez mais.

Conduzir os homens para Deus, para o Deus que fala na Bíblia: tal é a prioridade suprema e fundamental da Igreja e do Sucessor de Pedro neste tempo. Segue-se daqui, como consequência lógica, que devemos ter a peito a unidade dos crentes. De fato, a sua desunião, a sua contraposição interna põe em dúvida a credibilidade do seu falar de Deus.

Em conclusão, se o árduo empenho em prol da fé, da esperança e do amor no mundo constitui neste momento (e, de formas diversas, sempre) a verdadeira prioridade para a Igreja, então fazem parte dele também as pequenas e médias reconciliações. O fato que o gesto submisso duma mão estendida tenha dado origem a um grande rumor, transformando-se precisamente assim no contrário duma reconciliação é um dado que devemos registrar. Mas eu pergunto agora: Verdadeiramente era e é errado ir, mesmo neste caso, ao encontro do irmão que «tem alguma coisa contra ti» (cf. Mt 5, 23s) e procurar a reconciliação? Não deve porventura a própria sociedade civil tentar prevenir as radicalizações e reintegrar os seus eventuais aderentes – na medida do possível – nas grandes forças que plasmam a vida social, para evitar a segregação deles com todas as suas consequências? Poderá ser totalmente errado o fato de se empenhar na dissolução de endurecimentos e de restrições, de modo a dar espaço a quanto nisso haja de positivo e de recuperável para o conjunto?


Em suma, temos ao nosso redor bilhões de homens a quem temos o dever de levar a Boa Nova. Nós o fazemos? Ou nos perdemos em lutas menores (ainda que importantes) e nos enrijecemos em nossas posições? Será que usamos corretamente o grande dom da liberdade que nos é dado por Deus? Quando absolutizamos nossos grupos ou tendências não corremos o risco de cair, queiramos ou não, na tentação sectária? O Papa, que nos convida a “arrastar para fora as mesquinharias”, explica-nos um texto de São Paulo:

Amados Irmãos, nos dias em que me veio à mente escrever-vos esta carta, deu-se o caso de, no Seminário Romano, ter de interpretar e comentar o texto de Gal 5, 13-15. Notei com surpresa o caráter imediato com que estas frases nos falam do momento actual: «Não abuseis da liberdade como pretexto para viverdes segundo a carne; mas, pela caridade, colocai-vos ao serviço uns dos outros, porque toda a lei se resume nesta palavra: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Se vós, porém, vos mordeis e devorais mutuamente, tomai cuidado em não vos destruirdes uns aos outros».

O Papa continua:

Sempre tive a propensão de considerar esta frase como um daqueles exageros retóricos que às vezes se encontram em São Paulo. E, sob certos aspectos, pode ser assim. Mas, infelizmente, este «morder e devorar» existe também hoje na Igreja como expressão duma liberdade mal interpretada. Porventura será motivo de surpresa saber que nós também não somos melhores do que os Gálatas? Que pelo menos estamos ameaçados pelas mesmas tentações? Que temos de aprender sempre de novo o recto uso da liberdade? E que devemos aprender sem cessar a prioridade suprema: o amor?"


É bem verdade que se pode dizer que em nome da liberdade muitos erros são defendidos e propagados, inclusive no seio da Igreja. Temos também a obrigação da vigilância. Entretanto temos que ter também o bom senso de saber aglutinar tudo o que há de bom dentro da Santa Igreja de Cristo para defende-la e temos que afervorar o espírito apostólico. Em vários meios, mesmo fora da Igreja, há uma incontável multidão que, apesar das dificuldades, anseia pela verdade e pelo bem plenos. Multidão que quer não apenas ouvir belas palavras, quer ver exemplos de amor e coerência. Ela nada terá, como diz o Papa, enquanto olharmos apenas para nós mesmos. Não esqueçamos: estão nos pedindo pão. Não lhes demos pedras.


O Papa termina invocando Nossa Senhora da Confiança.

“É ela quem nos conduz a Cristo” . Lembremo-nos disso. É Ele a fonte do verdadeiro amor e da verdadeira paz, que está sempre, docemente, misericordiosamente, esperando por nós.



Um comentário:

  1. Como podem acusar os tradicionalistas de serem cismáticos e anti-papais, se estes acusadores não temem contrariar o Papa? Um erro não justifica o outro. Estes são cismáticos e estão indo contra o Evangelho, pois são contra a unidade e a reconciliação.

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