sábado, 20 de março de 2010



A QUARESMA, TEMPO DE PENITÊNCIA (1)


Valter de Oliveira





Com freqüência esquecemos que o pecado é pessoal. Não é um erro novo. Hoje ele é agravado por certas ideologias que insistem em apontar as estruturas sociais e o capitalismo como os únicos responsáveis pelo mal no mundo. Esquecem da responsabilidade que cabe a cada um de nós.

Responsabilidade que foi apontada pelo profeta Ezequiel ao advertir os judeus sobre o desterro que tinham sofrido. O castigo advirá não de pecados passados mas dos pecados atuais de cada indivíduo. Ele diz: “Assim diz o Senhor: o pecador deve perecer. O filho não responderá pelas faltas do pai nem o pai pelas faltas do filho. É ao justo que se imputará a sua justiça e ao mau a sua malícia."
Neste mesmo sentido diz João Paulo II: “No seu sentido próprio e verdadeiro, o pecado é sempre um ato de um homem, individualmente considerado, e não propriamente de um grupo ou de uma comunidade”. (Exort. Apost. Reconciliatio et Paenitentia 2 dez 1984, 16.).

O pecador deve cooperar com Deus com o arrependimento e com obras de penitência.

Não mascaremos nossas falhas. Não fujamos de nossas responsabilidades. Saibamos dizer com humildade: “Eu reconheço a minha iniqüidade e o meu pecado está sempre diante de mim”.
Deus nos disse: “Vai e não tornes a pecar” (Jo, 8,11). Mas os pecados deixam um vestígio na alma. Isso nos cria más disposições. Também há pecados e faltas que não percebemos por falta de delicadeza, por falta de espírito de exame. São como más raízes que temos que arrancar pela penitência. Caso contrário teremos frutos amargos.

Deus não nos pede grandes mortificações. Pede que as façamos com amor, coisas simples: podemos mortificar nossos gostos nas refeições, ser pontuais, vigiar a imaginação. E outras penitências que nos ajudem a purificar nossas almas e reparar pecados nossos e alheios.

Há outro ponto que devemos lembrar.

O pecado, se bem que pessoal, não deixa de produzir efeito nos demais homens. Sempre estamos influindo e sendo influenciados. E há algo mais profundo: a Comunhão dos Santos, graças à qual se pode dizer que “cada alma que se eleva, eleva o mundo”.
O Papa João Paulo II lembra-nos também que há, infelizmente, uma lei de descida, uma comunhão de pecado. Desse modo podemos prejudicar a Igreja e, de certa maneira, o mundo inteiro. Por mais secreto que seja nosso pecado.

Deus quer que sejamos motivo de alegria e luz para toda a Igreja. Precisamos pensar no Corpo Místico de Cristo. Sofrer por ele. Se sentirmos a Comunhão dos Santos seremos de bom grado homens e mulheres penitentes. Será mais fácil cumprir o dever.

Nossa penitência deve ser discreta, alegre, não percebida. Traduzida em atos concretos e não só em bons desejos.

O Evangelho nos lembra que a melhor penitência é a que se manifesta em atos de caridade. “Se estás para fazer a tua oferenda diante do altar vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão: só então vem fazer a tua oferenda.”

Que nessas últimas semanas da Quaresma a Virgem nos ajude a amar muito, Dar esmolas. Dedicar-se. Como nos diz S. Josemaria Escrivá: “Perdoemos sempre, com o sorriso nos lábios. Falemos com clareza, sem rancor. Pelo contrário, procuremos apresentar ao Senhor muitos atos de compreensão, de cortesia, de generosidade, de misericórdia. Assim o seguiremos pela Via-Sacra que Ele nos traçou e que o levou a deixar-se pregar na Cruz” (2)

Notas

1. Texto adaptado de “Falar com Deus”, Francisco Fernandez Carvajal, vol 2
Quadrante, São Paulo, 1990.

2. S. Josemaria Escrivá, É Cristo que passa, n.72.

quarta-feira, 3 de março de 2010


O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO


José Antônio Oliveira de Resende



Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.

Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.

- Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre. E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.

- Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável! A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha - geralmente uma das filhas - e dizia:

- Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.

Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga?

A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.

O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:

- Vamos marcar uma saída!... - ninguém quer entrar mais.

Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.

Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...

Que saudade do compadre e da comadre!



José Antônio Oliveira de Resende é professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do

Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei.