segunda-feira, 22 de junho de 2009



A PALHA NO OLHO ALHEIO



Valter de Oliveira





Certa vez, o Senhor disse aos que o escutavam: Como vês a palha no olho do teu irmão, e não vês a trave no teu? Ou como ousas dizer ao teu irmão: Deixa que eu tire a palha do teu olho, tendo tu uma trave no teu? Hipócrita: Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás tirar a palha do olho do teu irmão. (Mt 7, 3-5).

Isto é o que Deus nos pede, ou melhor, nos manda. É difícil porque somos orgulhosos. Porque facilmente aumentamos as faltas dos outros. Pior, frequentemente tendemos “a projetar nos outros o que na realidade são imperfeições e erros próprios” (1). Por outro lado, quando se trata de olhar nossas más ações procuramos diminuir e justificar nossos defeitos pessoais. Nossa trave passa a ser uma simples palha.

A atitude de quem é humilde, ou seriamente procura sê-lo, ajuda-nos a ter a mansidão evangélica. A convivência passa a ser suave, doce, humana, cristã. Sabe que todos temos a tríplice concupiscência, que temos misérias, que necessitamos da misericórdia de Deus. E daí se trata o próximo com benignidade, desculpando e perdoando quando necessário. Não se esquece que só Deus lê os corações e os rins.

Curioso que tudo isso é perfeitamente sabido por qualquer cristão de instrução média. Mas, infelizmente, há um abismo entre o conhecimento e a prática. Em minha vida já vi essa contradição entre os que se gabam de ter muita fé e ortodoxia. E a sinto em minha própria vida, quando miseravelmente não tenho paciência com meus filhos e minha esposa. Ou quando ponho pequenos defeitos de meus amigos acima de suas grandes qualidades...

Então, não temos que ver os defeitos? E combatê-los?

Claro que temos. E por isso a Igreja nos aconselha a fazer um sério exame de consciência todos os dias. Para ver e combater nossos defeitos. E os do próximo? Eis o conselho de Santa Teresa:

"Procuremos sempre olhar as virtudes e coisas boas que vemos nos outros, e tapar os seus defeitos com os nossos grandes pecados. Ainda que depois não o consigamos com perfeição, este é um modo de agir que nos faz ganhar uma grande virtude, que é a de termos a todos por melhores do que nós. E assim começamos a ganhar o favor de Deus”. (2)

Em nossa vida diária, em casa ou no trabalho, encontramos muitas deficiências e mesmo pecados externos. Vemos murmurações, grosserias, atos vingativos, até violência. Conforme as circunstâncias podemos ter a obrigação de intervir. Mas, em geral, nossa atitude pessoal deve ser positiva, isto é, saber olhar com misericórdia, com caridade. Em primeiro lugar devemos rezar por todos, “desagravar o Senhor, crescer em paciência e fortaleza, querer-lhes bem e apreciá-los mais, porque necessitam mais da nossa estima.” (3)

Não foi esta a atitude de Cristo com os apóstolos apesar de todas as suas misérias?

A lei de Deus não nos manda amar apenas os bons, ou os que nos agradam, ou que nos fazem bem. Manda-nos amar a todos. Até os inimigos. E mesmo estes, ensina-nos a moral católica, temos a obrigação de tratar com a devida cortesia.

Tudo isso é para ser realizado cotidianamente. A atitude de humildade exige que “a nossa atitude deve ser sempre aberta, amistosa, desejosa de ajudar a todos. E não se trata de viver essa virtude com pessoas ideais, mas com aqueles com quem convivemos ou trabalhamos.” (4)

Vamos encontrar a preguiça e a inveja, a murmuração e a soberba, a impureza e o ódio. Ou simplesmente o mau humor de quem levantou indisposto ou cansado. É aí que temos que praticar a caridade. Temos que conviver, estimar e ajudar seres humanos reais que Deus colocou em nossas vidas.

Se tivermos a graça de sermos assim não tomaremos como norma reparar na palha no olho alheio. A caridade crescerá em nossas almas. E saberemos saborear as doçuras do amor de Deus.


Notas:

Todas as citações foram extraídas da obra de

CARVAJAL. Francisco Fernandez. “Falar com Deus”, vol.3. Quadrante, São Paulo, 1990. p. 500 -502.


sexta-feira, 19 de junho de 2009



SEM PALAVRAS...

No Brooklyn, Nova Iorque, Chush é uma escola que se dedica ao ensino de crianças especiais. Algumas crianças ali permanecem por toda a vida escolar, enquanto outras podem ser enca minhadas para uma escola comum...

Num jantar beneficente de Chush, o pai de uma criança fez um discurso que nunca mais seria esquecido pelos que ali estavam presentes.
Depois de elogiar a escola e seu dedicado pessoal, perguntou:

- Onde está a perfeição no meu filho Pedro, se tudo o que DEUS faz é feito com perfeição? Meu filho não pode entender as coisas como outras crianças entendem. Meu filho não se pode lembrar de fatos e números como as outras crianças. Então, onde está a perfeição de Deus? '

Todos ficaram chocados com a pergunta e com o sofrimento daquele pai, mas ele continuou:

- Acredito que quando Deus traz uma criança especial ao mundo, a perfeição que Ele busca está no modo como as pessoas reagem diante desta criança.

Então ele contou a seguinte história sobre o seu filho Pedro:
- Uma tarde, Pedro e eu caminhávamos pelo parque onde alguns meninos que o conheciam, estavam jogando beisebol. Pedro perguntou-me:

- Pai, você acha que eles me deixariam jogar?


Eu sabia das limitações do meu filho e que a maioria dos meninos não o queria na equipe. Mas entendi que se Pedro pudesse jogar com eles, isto lhe daria uma confortável sensação de participação. Aproximei-me de um dos meninos no campo e perguntei-lhe se Pedro poderia jogar. O menino deu uma olhada ao redor, buscando a aprovação de seus companheiros de equipe e mesmo não conseguindo nenhuma aprovação, ele assumiu a responsabilidade e disse:

- Nós estamos perdendo por seis rodadas e o jogo está na oitava. Acho que ele pode entrar na nossa equipe e tentaremos colocá-lo para bater até a nona rodada.

Fiquei admirado quando Pedro abriu um grande sorriso ao ouvir a resposta do menino. Pediram então que ele calçasse a luva e fosse para o campo jogar. No final da oitava rodada, a equipe de Pedro marcou alguns pontos, mas ainda estava perdendo por três. No final da nona rodada, a equipe de Pedro marcou novamente e agora com dois fora e as bases com potencial para a rodada decisiva, Pedro foi escalado para continuar. Uma questão, porém, veio à minha mente: a equipe deixaria Pedro, de fato, rebater nesta circunstância e deitar fora à possibilidade de ganhar o jogo? Surpreendentemente, foi dado o bastão a Pedro. Todo o mundo sabia que isto s eria quase impossível, porque ele nem mesmo sabia segurar o bastão. Porém, quando Pedro tomou posição, o lançador se moveu alguns passos para arremessar a bola de maneira que Pedro pudesse ao menos rebater. Foi feito o primeiro arremesso e Pedro balançou desajeitadamente e perdeu. Um dos companheiros da equipe de Pedro foi até ele e juntos seguraram o bastão e encararam o lançador..

O lançador deu novamente alguns passos para lançar a bola suavemente para Pedro. Quando veio o lance, Pedro e o seu companheiro da equipe balançaram o bastão e juntos rebateram a lenta bola do lançador.. O lançador apanhou a suave bola e poderia tê-la lançado facilmente ao primeiro homem da base, Pedro estaria fora e isso teria terminado o jogo.. Ao invés disso, o lançador pegou a bola e lançou-a numa curva, longa e alta para o campo, distante do alcance do primeiro homem da base.

Então todo o mundo começou a gritar: Pedro corre para a primeira base, corre para a primeira. Nunca na sua vida ele tinha corrido... mas saiu disparado para a linha de base, com os olhos arregalados e assustado. Até que ele alcançasse a primeira base, o jogador da direita teve a posse da bola. Ele poderia ter lançado a bola ao segundo homem da base, o que colocaria Pedro fora de jogo, pois ele ainda estava correndo. Mas o jogador entendeu quais eram as intenções do lançador, assim, lançou a bola alta e distante, acima da cabeça do terceiro homem da base.. Todo o mundo gritou:

- Corre para a segunda, Pedro, corre para a segunda base.

Pedro correu para a segunda base, enquanto os jogadores à frente dele circulavam deliberadamente para a base principal.. Quando Pedro alcançou a segunda base, a curta parada adversária
colocou-o na direção de terceira base e todos gritaram:

- Corre para a terceira.

Ambas as equipes correram atrás dele gritando:

- Pedro, corre para a base principal.

Pedro correu para a base principal, pisou nela e todos os 18 meninos o ergueram nos ombros fazendo dele o herói, como se ele tivesse vencido o campeonato e ganho o jogo para a equipe dele.

- Naquele dia, disse o pai, com lágrimas caindo sobre face, aqueles 18 meninos alcançaram a Perfeição de Deus. Eu nunca tinha visto um sorriso tão lindo no rosto do meu filho!


Este é um caso verídico por mais estranho que pareça. Eu também, como você, quando li o texto pensei tratar-se de uma história romanceada, mas o fato realmente aconteceu.

Quando temos, em um grupo, um bom líder, este é capaz de arrastar os outros a fazerem o que é certo apenas com suas boas atitudes.

quarta-feira, 10 de junho de 2009


POESIA, CRIATIVIDADE, CASAMENTO

Valter de Oliveira


Estava cansado, já tarde da noite, tentando terminar um artigo de caráter político. Parei. Olhei à direita, para minha estante, e vi um livro: “Filosofia, Ética e Literatura”, de Gabriel Perissé (1) Lembrei-me que me fora dado por um aluno de uma turma de sistemas de informação. Tem uma dedicatória simpática, mas o bom jovem que a assinou o fez de modo totalmente ilegível. Uma pena. Tenho quase certeza que é filho de Perissé.

Já tinha lido partes dele há algum tempo. É lindo. Apresenta através da literatura aspectos da filosofia de educação do grande pensador espanhol Alfonso López Quintás. Um livro que merece ser saboreado. Lentamente...

Folheei algumas páginas. Encontrei um trecho que me havia tocado muito. Perissé escreve sobre o martírio do artista que se encontra privado de criar. Depois relata como esta criatividade pode dar encanto também a um casamento. Nele cada cônjuge é chamado a também ser um artista.

“Num casamento em que há unidade verdadeira, um e outro “se desenham”, “se esculpem” interpretam diariamente uma peça teatral rica em improvisação, interpretam uma sinfonia rica em variações sobre o mesmo tema, surpreendem-se cotidianamente (estas as melhores surpresas e estes os frutos já suficientemente maduros, prontos para servirem de alimento) como o poeta que todos os dias admira-se com as mesmas palavras, como o criador que não se cansa de saborear as possibilidades virtualmente infinitas da sua arte e por isso desperta todas as manhãs com disposição renovada de criar.”

“Viver criativamente não conduz a uma sucessão ininterrupta de vitórias espetaculares. A dificuldade presente, as limitações existem, os conflitos são uma realidade, há problemas, há períodos de incerteza, de infecundidade... Mas nada disso assusta o ser criativo. O verdadeiro fracasso de um artista, de uma pessoa criativa, está no momento em que ela desiste”. (...) “Dissociar a criatividade da luta (no fundo, uma luta ética e estética) rouba da criatividade uma das suas mais belas características.” (...) “A luta é a arte da busca renovada. Como diz Adam Philips (...) “viver em casal é uma arte performática”. A luta do artista está em recomeçar o jogo a toda hora. Dominado por esse espírito lúdico-lutador um casal cria um casamento criativo. (...) Renunciando à auto-afirmação para afirmar o nós, como no inesquecível poema “Casamento”, de Adélia Prado”: Há mulheres que dizem:

Meu marido se quiser pescar, pesque, mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto, ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha, de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil” “prateou no ar dando rabanadas” e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa, vamos dormir.
Coisas prateadas espocam: somos noivo e noiva.

Um casal. Dois artistas que jamais desistem, e que se esculpem na rotina encantadora de cada dia.


Notas

1. PERISSÉ, Gabriel. Filosofia, Ética e Literatura. Uma proposta pedagógica. Barueri, SP. Manole: 2004. p.192-195.

Gabriel Perissé é Mestre em Literatura Brasileira e Doutor em Filosofia da Educação pela USP

2. PRADO, Adélia. Poesia Reunida. 3ª edição. São Paulo, Siciliano, 1991. p.252.